Nos últimos dias, o clima na Casa Santa Marta, residência do Papa no Vaticano, era de expectativa crescente. Havia quem percebesse que Francisco demonstrava impaciência para deixar o hospital Gemelli, segundo o jornal italino Corriere della Sera.
Agora que a alta foi confirmada, a preocupação entre os mais próximos não é o que o Papa pode fazer, mas o que conseguirão impedi-lo de fazer — já que ele parece determinado a retomar sua rotina habitual, mesmo contra orientações médicas.
Os médicos recomendaram dois meses de convalescença, mas esse período precisará enfrentar um obstáculo maior que a saúde física: a insistência de Francisco em manter sua agenda ativa. Mesmo durante o internamento, continuou tomando decisões, anunciando nomeações e planejando os próximos passos da Igreja. Sua mensagem era clara: tudo seguirá como antes.
Essa atitude é vista por muitos como uma tentativa de desafiar não apenas a idade e a doença, mas também o peso de um papado que já não permite a mesma intensidade de antes. O verdadeiro desafio, agora, será convencê-lo de que o cenário mudou, que já não é possível retomar as atividades com o mesmo ritmo de outrora.
Apesar da recuperação aparente, o quadro de saúde do pontífice ainda inspira cuidados. Nos bastidores do Vaticano, havia preocupação com o momento do retorno e, sobretudo, com quem teria coragem de dizer a Francisco que ele precisa poupar-se. Há inclusive quem tenha cogitado transformar parte de Casa Santa Marta em uma espécie de enfermaria permanente, para lidar com eventuais emergências.
A decisão pela alta foi tomada em comum acordo com os médicos, e o Papa, de acordo com fontes do hospital, ficou “felicíssimo”. Ainda enfrenta dificuldades para falar, precisa seguir com a reabilitação e foi orientado a não receber grupos, por precaução. Mas a necessidade de transmitir uma imagem de normalidade, e afastar rumores de renúncia — como a de Bento XVI, em 2013 — falou mais alto. Francisco quer deixar claro que não pretende renunciar. E que o fim de seu papado não será marcado por um governo à beira do leito.
Papa Francisco chega à Casa Santa Marta, sua residência no Vaticano, após receber alta hospitalar. O pontífice precisará de repouso por dois meses para se recuperar completamente, após quase 40 dias internado para tratar uma pneumonia bilateral. O percurso do hospital até sua… pic.twitter.com/pONFLiiiiF
— GloboNews (@GloboNews) March 23, 2025
Mesmo assim, é inevitável reconhecer que a Igreja será conduzida, ao menos nas próximas semanas, por um Papa mais frágil e vulnerável. Ele continua determinado a tomar as decisões de sempre, com a mesma firmeza de antes, mas agora cercado por uma inquietação constante. Cada palavra, cada silêncio vindo de sua residência será lido como sinal de um futuro incerto.
Enquanto isso, as conversas sobre um possível Conclave já começaram discretamente entre os cardeais — o que seria impossível evitar diante do quadro atual. Francisco sabe disso, e encara essas movimentações com o incômodo de sempre. Mas parece disposto a surpreender, conduzindo essa etapa final de seu pontificado de maneira intensa e decisiva.
Seja breve ou duradouro, esse novo período promete deixar marcas. Com Casa Santa Marta ainda como centro do comando papal — mesmo enfraquecido —, e uma convalescença que, para Francisco, já se transformou no início de um novo movimento. Por mais incerto que seja o desfecho.