Mario Vargas Llosa, que morreu no domingo aos 89 anos, foi “o primeiro da classe”, como o chamou o romancista, contista, professor e jornalista chileno José Donoso. Sua produção de romances e ensaios é surpreendentemente rica em obras-primas. Eis uma seleção de títulos essenciais.
“A cidade e os cachorros” (1963)
Inspirado por suas lembranças do colégio militar Leoncio Prado e por suas leituras vorazes (Sartre, Malraux, Faulkner, a geração perdida), esse primeiro romance, premiado em 1962, inaugurou o boom da literatura latino-americana. Com múltiplas vozes e saltos temporais, retrata o colégio como um microcosmo da sociedade peruana e uma metáfora do darwinismo social. A morte suspeita de um dos cadetes, “O Escravo”, desencadeia um embate entre seu amigo, “O Poeta”, e o possível assassino, “O Jaguar”, num ambiente de violência e medo.
“A casa verde” (1966)
Romance complexo e ambicioso, escrito em Paris, entrelaça cinco histórias ambientadas na cidade peruana de Piura e na selva peruana, onde está o prostíbulo que dá título ao livro. Com estrutura labiríntica e narrativas que se entrecruzam, retrata o embate entre barbárie e civilização. Entre os personagens marcantes estão a prostituta Selvática, o contrabandista japonês e o líder indígena Jum. Vargas Llosa relatou a criação dessa obra no livro “História secreta de um romance” (1971).
“Conversa na Catedral” (1969)
Uma das maiores realizações do autor, analisa o Peru sob a ditadura de Manuel A. Odría por meio de uma longa conversa entre Zavalita, jornalista desencantado, e Ambrosio, ex-motorista de seu pai. O romance expõe a corrupção moral generalizada do país, cruzando diferentes histórias e registros para mostrar como o autoritarismo destrói a dignidade coletiva.
“A orgia perpétua” (1975)
Um estudo apaixonado sobre “Madame Bovary” e a arte de Flaubert, mas também uma confissão do próprio Vargas Llosa. Ele defende o realismo, a estrutura minuciosa e o domínio técnico como fundamentos da criação literária. A leitura obsessiva da correspondência de Flaubert serve de base para refletir sobre os próprios métodos e obsessões.
“Tia Júlia e o escrevinhador” (1977)
Romance de tom leve e autobiográfico, relata o início da carreira do jovem Marito e seu casamento com a tia política Julia Urquidi. O livro contrapõe a literatura “séria” com os folhetins radiofônicos de Pedro Camacho, expondo com humor as tensões entre vida e ficção, razão e sentimento.
“A guerra do fim do mundo” (1981)
Reconstrução épica da guerra de Canudos, em 1897, entre a recém-proclamada república brasileira e os seguidores do líder messiânico Antônio Conselheiro. Vargas Llosa reúne uma galeria de personagens diversos para examinar os efeitos do fanatismo, da pobreza e da repressão. O romance dialoga diretamente com “Os Sertões”, de Euclides da Cunha.
“História de Mayta” (1984)
Quase esquecida, essa obra merece nova atenção. O narrador — alter ego de Vargas Llosa — investiga a trajetória do revolucionário Alejandro Mayta, mesclando jornalismo e ficção. A figura de Mayta permanece enigmática, símbolo do idealismo armado. O narrador assume que a única forma de alcançar sua verdade é pela invenção consciente: “mentir com conhecimento de causa”.
“A verdade das mentiras” (1990 e 2002)
Coletânea de ensaios sobre a ficção moderna, com nomes como Joyce, Faulkner, Mann, Nabokov, Hemingway, entre outros. O ensaio inicial, que dá nome ao livro, defende a importância vital da ficção como forma de dar sentido ao caos da vida e revelar verdades inacessíveis à ciência ou ao jornalismo.
“A festa do bode” (2000)
Romance sobre a queda da ditadura de Rafael Trujillo na República Dominicana. Vargas Llosa constrói um retrato psicológico minucioso dos tiranos e dos jovens idealistas que tentam derrubá-los. A narrativa mostra como o poder absoluto corrompe tudo à sua volta, e como regimes autoritários geram monstruosidades morais.
“Dedico meu silêncio” (2023)
Último romance de Vargas Llosa, é uma homenagem à música popular peruana e, ao mesmo tempo, uma sátira ao nacionalismo ingênuo. Toño Azpilcueta acredita que a música criolla pode unir o país, mas sua vida miserável e o pano de fundo do terrorismo desmentem essa utopia. Apesar disso, os sons dos huainos e valsecitos permanecem, como ecos de um ideal inalcançável.