A política, como a própria história, obedece a ciclos; há momentos de ascensão e outros de declínio, e poucos desafios são tão árduos quanto reverter uma trajetória de popularidade em queda. Nesse contexto, a mais recente pesquisa AtlasIntel/Bloomberg, divulgada hoje, traz um alento ao governo: a diminuição da desaprovação do presidente Lula e sua consolidação na disputa de 2026 sinalizam uma inflexão crucial, capaz de redefinir o horizonte político brasileiro.
Pode parecer um avanço tímido, mas não o é. Alterar a percepção pública de um governo em um cenário de polarização extrema, no qual a mídia hereditária brasileira — sempre implacável na defesa dos interesses dos endinheirados — fabrica e dissemina desinformação, amplificada pelas big techs estadunidenses, exige não apenas ações concretas, mas também um redesenho profundo da narrativa política.
Lula, até então cerceado pelas críticas à condução da política econômica e à sua relação com o Congresso, revelou a velha resiliência de filho de Dona Lindú. A nomeação de Gleisi Hoffmann para a articulação parlamentar não só reduziu resistências, mas também atenuou o poder de chantagem do Centrão e da extrema-direita. Mais do que isso, abriu caminho para vitórias como a aprovação unânime, na sessão de hoje no Senado, da Lei da Reciprocidade — um marco na afirmação soberana do Brasil no comércio exterior, algo que, até pouco mais de um mês, parecia impensável.
Além das movimentações políticas, há um fator incontornável para a recuperação de Lula: a economia. Em um país onde a memória da carestia molda as eleições, as iniciativas do governo para conter a alta dos preços — especialmente dos alimentos — e aliviar o custo de vida das famílias começam a surtir efeito.
A pesquisa revela que apenas 18% da população acredita que os preços dos alimentos continuarão a subir — a menor percepção inflacionária em muito tempo. De acordo com a pesquisa, programas como o Farmácia Popular, o Desenrola e o fortalecimento do SUS não só trouxeram alívio concreto a milhões de brasileiros, mas também sustentam a recuperação da imagem presidencial.
Contudo, mesmo diante desse avanço, dois desafios se impõem, exigindo um enfrentamento estratégico.
O primeiro é a resistência do eleitorado evangélico. Desde 2018, a influência das lideranças neopentecostais consolidou-se como um bastião do conservadorismo no Brasil, e a pesquisa confirma que essa barreira persiste. Embora a melhora econômica tenha provocado fissuras na Frente Parlamentar Evangélica — com algumas lideranças religiosas buscando, como ovelhas, o aprisco do governo —, o bolsonarismo mantém forte penetração nas bases religiosas. O estrago pentecostal é profundo e não será revertido no curto prazo. Exigirá muita boa vontade e paciência, paciência e mais paciência.
O segundo desafio, e talvez o mais sensível, é a erosão do apoio entre os próprios eleitores de Lula. A pesquisa aponta uma queda de 10% na sua popularidade dentro desse grupo, um fenômeno que pode ser revertido, desde que o governo amplie os canais de diálogo com os movimentos sociais e a militância progressista.
Parte dessa perda pode ser atribuída ao pessimismo crônico e atávico das esquerdas, sempre inclinadas à autocrítica e à dispersão. No entanto, há um elemento adicional: a ação coordenada de um ecossistema farsesco de “crítica à esquerda” que, amplamente financiado por interesses obscuros, dissemina uma retórica corrosiva contra o governo. Esse discurso reverbera principalmente entre os jovens, faixa etária onde a desaprovação mais cresceu. Compreender e neutralizar essa dinâmica será essencial para consolidar a recuperação da imagem de Lula.
O cenário traçado pela pesquisa AtlasIntel, portanto, configura uma vitória importante, mas ainda incompleta. O governo demonstrou ser capaz de reverter tendências negativas e inaugurar um novo ciclo de fortalecimento popular, mas os desafios persistem. Lula precisará manter o ímpeto, expandir seu arco de alianças e proteger sua base, tanto contra os ataques da direita quanto contra o desgaste provocado por setores que se autoproclamam progressistas.
A política é viva e volátil; a disputa pela hegemonia popular está longe de ser decidida. No entanto, se os ventos continuarem a soprar na direção atual, o futuro pode reservar a Lula não apenas uma recuperação consistente, mas um novo apogeu político — um futuro possível que interessa a todo o campo progressista e à estabilidade democrática do país.
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