A fome ainda está entre nós. Mais próxima e mais real do que muitos imaginam.
Enquanto o mundo debate política, tecnologia, avanços científicos e disputas ideológicas, há milhões de pessoas lutando simplesmente pelo direito de comer hoje. A dor da fome é uma dor silenciosa. Não estampa capas de jornais diariamente, não toma os grandes palcos do debate público. Mas ela segue presente, corroendo vidas, enfraquecendo corpos, silenciando futuros. E ainda que os homens não a ouçam, a fome segue gritando — diante de Deus.
Segundo dados recentes das Nações Unidas, 735 milhões de pessoas — aproximadamente 9% da população mundial — vivem sob fome crônica. Outros 2,3 bilhões de seres humanos — quase 29% da humanidade — enfrentam insegurança alimentar: vivem sem saber o que comerão amanhã ou com dietas muito aquém do necessário. E, em situações de fome aguda, quase 300 milhões sobrevivem sob ameaça constante em áreas assoladas por guerras, crises econômicas e desastres climáticos.
As regiões mais atingidas continuam sendo a África Subsaariana, o Sul da Ásia e partes da América Latina e Caribe. Ali, a fome não é estatística: é o rosto magro de uma criança, o desespero de uma mãe que reparte migalhas, o vazio nos olhos de jovens privados de oportunidades por pura falta de nutrição.
Para muitos, sobretudo em nações desenvolvidas, esse drama parece distante. Afinal, sua “fome” limita-se ao intervalo entre refeições. Resido hoje nos Estados Unidos e, por vezes, é difícil explicar a um nativo o que representa a fome extrema. Contudo, ao caminhar entre comunidades de imigrantes que aqui chegaram fugindo da miséria, percebo que a fome não é um conceito abstrato: é uma cicatriz na alma de milhões.
Para dar mais legitimidade a estas palavras, tomei uma decisão pessoal: submeti-me, por alguns dias, a um jejum voluntário. Quis sentir, ainda que de forma simbólica, a fraqueza que cresce com o vazio do estômago, a mente que se ocupa apenas com a busca de alimento, o corpo que vai se enfraquecendo lentamente. Foi apenas uma sombra daquilo que tantos vivem diariamente, sem opção de escolha. Mas suficiente para dar peso a cada linha que escrevo.
O maior paradoxo, porém, é este: o planeta produz hoje comida suficiente para alimentar entre 9 e 10 bilhões de pessoas, embora nossa população atual seja de 8,1 bilhões.
O problema, portanto, não está na capacidade de produção, mas na má distribuição, na indiferença, no egoísmo coletivo e nas escolhas políticas e econômicas que priorizam interesses menores em detrimento da dignidade humana.
Não faltam tecnologias, terras aráveis ou conhecimento. Falta solidariedade. Falta compaixão. Falta vontade.
Guerras desnecessárias, vaidades de governantes, políticas míopes e disputas de poder perpetuam um quadro de miséria vergonhoso para a nossa civilização. Enquanto bilhões são gastos em armamentos, milhões morrem por não terem o que comer.
Mas um dia — e todos sabemos disso — estaremos diante do Supremo Juiz. E nesse instante, a pergunta será simples e direta:
“O que fizeste pelo teu irmão nos teus dias sobre a Terra?”
Que essa pergunta não fique apenas como eco distante do futuro, mas arda em nossa consciência desde já. Ainda há tempo de agir.
Elcio Nunes
Cidadão Brasileiro