Por Eraldo Paulino
Em reunião realizada nesta quarta-feira (5), o governo de Hélder Barbalho (MDB) recuou e propôs acordo para revogação da lei 10.820/24, que institui o ensino à distância em comunidades indígenas. A mudança de postura do governo acontece após 23 dias de ocupação multiétnica da Secretaria de Educação do Pará (Seduc), de bloqueio parcial do quilômetro 83 da BR 163, no município de Belterra, região do Baixo Tapajós, e greve da rede pública estadual de educação.
O acordo foi firmado no início da tarde, na Secretaria de Planejamento do Pará (Seplad), em documento assinado por representantes governamentais, deputados, representantes de nações indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais e do membros do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Pará (Sintepp).
O acordo prevê, da parte do governo, enviar à Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) ainda nesta quarta um projeto de lei que revoga integralmente a lei 10.820, bem como desistir da ação judicial que pede abusividade da greve. Também aceita não punir e nem cortar ponto de grevistas, além de publicar decreto para criação de um Grupo de Trabalho para elaboração de uma nova lei para a educação pública do Pará, com participação de representantes do Sintepp.
Do lado dos manifestantes, fica firmado o compromisso de desocupação da Seduc, do desbloqueio de vias, além do encerramento da greve e da desistência do processo movido pelo Sintepp, cobrando revisão da lotação de professores.
Segundo a liderança indígena Poró Borari, da região do Baixo Tapajós, a desocupação da Seduc está condicionada ao envio do referido PL à Alepa. “Nós viemos aqui para o Palácio do Governo acompanhar o processo de envio do projeto de lei que vai revogar a lei 10.820, para aí sim decidirmos pela desocupação. Nós consideramos essa uma vitória, mas seguiremos vigilantes”, avaliou o indígena. Segundo ele, a força das populações tradicionais foi mais uma vez demonstrada e a luta segue. “Caso o Hélder não cumpra com a palavra, não vai ter COP, porque nós vamos ocupar aeroportos, rodoviárias e portos”, enfatizou.
“A assinatura do acordo, porém, pode se tornar sem efeito se a assembleia que pretendemos realizar amanhã (6) não aprovar os termos do documento”, explica Beto Andrade, diretor do Sintepp. Segundo ele, se a categoria aprovar o documento, isso também significará o encerramento do movimento paredista, com uma vitória histórica da categoria e dos povos tradicionais do Pará. “Obviamente, o governo não aceitou colocar no acordo a exoneração do secretário de educação, Rossieli Soares, mas ele sai desse processo com a imagem desgastada e derrotado politicamente. E nós seguiremos cobrando a saída dele”, conclui.
A professora Lidia Borari, que também faz parte da ocupação, reforça que, independente do prédio, a mobilização continua até que a revogação seja publicada no Diário Oficial do Estado do Pará. “Pelo termo de compromisso, a gente está verificando para onde vai essa ocupação agora. Porque no termo está que nós desocuparemos o prédio da Seduc. A gente está vendo se vai para o Palácio do Governo ou vai para Alepa”.
Segundo a direção do Sintepp, o presidente da Alepa, deputado Chicão (MDB) explicou que o PL da revogação deve ser votado dia 18 de fevereiro, período após a recomposição das comissões temáticas e da apreciação do projeto por elas, que devem ocorrer na próxima semana. Enquanto isso, a primeira minuta da lei que vai propor a nova política de educação indígena seguirá o processo de consulta nas aldeias, com lideranças da ocupação se inserindo no GT que está discutindo essa proposição e no debate em si da minuta.
Da agressão a professores à ocupação
O governador Hélder gozava de uma recente vitória bastante significativa nas eleições municipais de 2024, quando o MDB, partido liderado pela família Barbalho, conseguiu ajudar a eleger 58% dos 144 mandatários municipais no estado, além de ter maioria aliada em boa parte nas Câmaras Municipais e na Alepa, onde, no último dia do funcionamento do calendário legislativo daquele ano aprovou, sem qualquer debate, o PL que revogava o antigo Estatuto do Magistério, tornando sem efeito várias conquistas da categoria, de pessoas com deficiência, de populações tradicionais. Isso incluia políticas públicas que foram frutos de décadas de luta, como o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some), que beneficia comunidades com acessos mais complexos, incluindo comunidades quilombolas e aldeias indígenas.
Contudo, a mesma COP30, usada por Hélder como um grande capital político, fortaleceu os indígenas e impediu o uso da polícia, da mesma forma que se naturalizou fazer com outros manifestantes. Assim, os guerreiros indígenas, que deram várias lições de combatividade e de uso da comunicação popular, mantiveram a ocupação da Seduc, que chegou ao 23º dia ganhando apoio e solidariedade a nível internacional, sendo um dos principais fatores que provocaram o recuo do governo. “Quando nós chegamos, cortaram água, luz, colocaram gás lacrimogênio nos banheiros, mas não conseguiram nos tirar”, recorda Alessandra Kroap, liderança Munduruku.
Ela recorda que, após a repercussão negativa, o governo tentou criar narrativas para desqualificar a luta da categoria da educação e dos indígenas. Tentou desatrelar a luta dos indígenas da categoria dos trabalhadores em educação, dividir os povos indígenas, e até acusou formalmente a ocupação de depredação do patrimônio. A indústria de desinformação montada por ele, porém, não apenas foi infrutífera, como resultou numa denúncia da Defensoria Pública da União (DPU) contra as fake news espalhadas pelo governo contra os povos originários.
“Tentaram dizer que somos massa de manobra do Sintepp, mas nós viemos pra cá [para a ocupação] convictos de que a educação não indígena também beneficia nosso povo. Também temos parentes professores, alunos da educação não indígena. E não aceitamos que só os aliados do governo falem por nós. Se quer fazer política pra indígena, tem que ouvir todos os indígenas”, argumenta Alessandra. Ela também avalia que a não saída do secretário Rossieli causa revolta, mas considera que a ocupação, o bloqueio de BRs, a solidariedade dos movimentos sociais, a greve e toda repercussão das manifestações já manchou a imagem do governo Hélder, que sai menor dessa briga, “e com a certeza de que os povos indígenas são independentes e não se vendem.”
Nesta segunda, vários protestos foram realizados pelos povos tradicionais, em diferentes regiões do estado, contra as ações do governo Barbalho na educação. Confira a reportagem em vídeo:
Publicado originalmente no Brasil de Fato
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