Uma frase bastante conhecida entre pessoas negras de qualquer geração é: “Para ser aceito ou respeitado em uma sociedade racista, você tem que ser, pelo menos, duas vezes melhor que uma pessoa branca!”. Talvez seja esse o desafio de não se encontrar pessoas negras em diversas posições da nossa sociedade, afinal somos todos seres humanos em iguais competências e defeitos, por isso deveríamos viver em uma sociedade igualitária e proporcionalmente ter pessoas negras em todos os cargos, funções e espaços na mesma proporção, já que somos mais da metade dos habitantes deste país.
Porém, como a desigualdade impera por aqui, e o privilégio branco é um fator preponderante nos postos de comando ou de destaque, quase não vemos pessoas negras em cargos de liderança e em áreas estratégicas. Quando aparecem alguns que furam a bolha em geral estão muito acima da média para estarem ali, tiveram melhores notas, foram os mais aplicados e seguiram à risca a máxima do: “Tenho que ser melhor do que uma pessoa branca”, ou seja, é preciso estar próximo da genialidade para ser aceito ou respeitado.
Essa exigência suprema, desenfreada e desafiadora tem levado muitas pessoas negras a adoecerem, não respeitando seus limites, dando margem a diversos malefícios, até mesmo entre nós o fratricídio, um mal também decorrente de uma sociedade racista. Conheço algumas pessoas negras geniais que muito se destacam em suas posições, mas pagam um preço alto por isso, inclusive fazendo terapia, e no meio corporativo é onde mais vejo isso acontecer, seguido pelo meio acadêmico.
Na semana passada, participei de um evento que me fez pensar como isso se dá na classe artística. Estive no lançamento da nova versão da novela “Vale Tudo”, e os saudosistas de plantão, com a turma do “esse elenco não é melhor que o outro”, já saíram para rua. Se não bastasse a comparação saudosista, as duas principais personagens do drama são negras, Raquel e Maria de Fátima protagonizadas por Taís Araújo e Bella Campos.
A pressão e a comparação das duas já começaram por todos os lados, no caso de Taís Araújo parece que já esqueceram até que a atriz é veterana na TV e, desde que estreou em “Xica da Silva”, décadas atrás, tem se mostrado uma das maiores atrizes de sua geração, preparada para qualquer desafio, inclusive de apresentadora como já o fez!
No caso de Bella Campos, a crítica que mais se tem ouvido está relacionada a sua pouca idade e experiência para um papel tão importante que já foi vivido pela grande Glória Pires. Esses críticos apenas esqueceram da pouca idade e experiência que Glória tinha, que ela não tinha nem a idade e nem a experiência que tem hoje, quando interpretou Maria de Fátima?
A verdade é que “Vale Tudo” mais que mexer com valores, conceitos e ética das duas principais protagonistas vai levantar também discussões mais profundas como: até que ponto a arte pode ser comparada, independentemente do contexto histórico, da qualidade técnica e de um componente caro para nós negros e negras, pressão racial em que o tempo todo temos que ser no mínimo duas vezes melhores que o branco para sermos minimamente aceitos e respeitados nesta sociedade!?