As Forças Armadas do Brasil estão sendo cada vez mais questionadas devido a relatos preocupantes de trotes violentos e abusos físicos e psicológicos contra os recrutas. As práticas, muitas das vezes apresentadas como rituais de iniciação, têm causado indignação e levantado dúvidas sobre o “batismo” dentro das instituições militares.
O caso reacendeu após a divulgação de um vídeo obtido com exclusividade pelo Metrópoles, que mostra um recruta da Marinha do Brasil levando mordidas na bunda por colegas do quartel. A prática foi realizada contra jovens que estão concluindo a formação de marinheiro no Comando do 8º Distrito Naval, em São Paulo.
Diante disso, a reportagem separou abaixo exemplos recentes de trotes que afetaram a vida pessoal dos recrutas e impactaram a sociedade por meio dessa tradição.
Espancamento com objetos contundentes
Em janeiro de 2025, um soldado de 19 anos foi espancado por colegas durante um trote no 13º Regimento de Cavalaria Mecanizado, em Pirassununga (SP). As agressões incluíram o uso de objetos, como vassouras e ripas de madeira, resultando em hematomas severos. O caso veio à tona após a divulgação de mensagens entre a vítima e um dos agressores.
A vítima relatou que as agressões foram cometidas por cinco soldados e um cabo. O jovem disse no boletim de ocorrência que o cabo enviou uma mensagem por meio do WhatsApp, no momento do registro da ocorrência, dizendo que ele estava mentindo e que ele “iria prejudicar a todos”.
De acordo com o advogado de defesa da vítima, os investigados teriam o ameaçado com o objeto, dizendo que ele deveria abaixar as calças: “Ou vai por bem ou vai por mal”, teriam dito os agressores.
A vítima entendeu que se tratava, então, de um “batismo”. Diante disso, o Exército Brasileiro expulsou seis militares investigados. Os acusados foram identificados como os soldados Bonifácio, Felipe, Jonas, Gião, Souza Fontes e cabo Douglas.

Afogamento durante trote
Em 2017, três recrutas morreram afogados após serem forçado por um cabo, um tentente e um soldado a entrar em um lago como parte de um trote no 20º Grupo de Artilharia de Campanha Leve, em Barueri (SP). Naquela ocasião morreram afogados Wesley da Hora dos Santos e Victor da Costa Ferreira, ambos de 18 anos, e Jonathan Turella Cardoso Allah, de 19.
As mortes ocorreram após os recrutas serem instruídos a se molhar até o pescoço no lago, e um deles escorregou e foi parar na parte mais funda, com os outros dois tentando ajudá-lo sem sucesso. Um quarto militar também foi jogado e só sobreviveu porque nadou, mas se feriu no teste. O julgamento dos cinco réus, sendo dois militares da ativa e três ex-militares, ocorreu no Foro da Justiça Militar, na região central da capital paulista.
O ex-tenente Rodrigo de Oliveira Salatiel, o ex-cabo Felipe de Oliveira Silva e o ex-soldado Jorge Henrique Custódio Avanci foram condenados por dois crimes previstos no Código Penal Militar: homicídio culposo e lesão corporal culposa, ou seja, sem intenção de causar dano. Cada um deles foi condenado a cerca de dois anos e seis meses de prisão. Como todos estavam respondendo aos processos em liberdade, eles têm o direito de recorrer da sentença sem precisar ficar presos, enquanto isso.
Espancamento registrado em vídeo
Em 2012, seis soldados da Aeronáutica foram identificados após a divulgação de um vídeo que mostrava um recruta sendo agredido violentamente durante um trote no alojamento do Hospital da Aeronáutica, em Belém (PA).
As imagens mostravam o recruta sendo obrigado a fazer flexões, seguido por chutes e golpes com objetos como pedaços de pau e toalhas.
O vídeo de nove minutos também mostra os militares pulando sobre o jovem, que se contorce no chão, protegendo a cabeça, e encenando marcha e fazendo flexões antes das agressões iniciarem.
O Comando da Aeronáutica informou que o caso seria encaminhado para a Justiça Militar. Segundo as informações divulgadas, os seis soldados envolvidos na agressão foram identificados e afastados do serviço armado.

Palestra contra trotes
Em fevereiro de 2024, a Brigada de Infantaria Paraquedista, no Rio de Janeiro, foi palco de uma palestra promovida pela Procuradoria da Justiça Militar da União, reunindo mais de 500 militares.
O objetivo era combater os trotes violentos, após denúncias de agressões físicas, incluindo mordidas nas nádegas de recrutas, durante rituais de iniciação. Em um caso anterior, um soldado perdeu um testículo devido às agressões sofridas e somente dois cabos foram condenados