Em artigo publicado no Globo nesta terça-feira (1º), a colunista Míriam Leitão destacou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu por tentativa de golpe de Estado, facilita o trabalho da acusação, pois “suas próprias declarações acabam servindo como provas contra ele”:
Desde que se tornou réu, Jair Bolsonaro tem se esforçado para progredir para a situação de réu confesso. A entrevista à Folha de S.Paulo vai nessa direção. Ele disse que não esperava o resultado das eleições e, por isso, passou a pensar em alternativas. O único caminho possível após uma derrota eleitoral é respeitar a decisão, reconhecer a derrota e preparar a transição. Não foi o que ele fez.
“Eu conversei com as pessoas, dentro das quatro linhas, que vocês estão cansados de ouvir. O que a gente pode fazer? Daí foi olhado lá, sítio, defesa, 142, intervenção”, disse ele à repórter Marianna Holanda. Está aí a confissão. Nada havia de anormal no país para se pensar em alternativas.
As figuras constitucionais do estado de defesa e do estado de sítio têm que ter uma causa: “comoção grave de repercussão nacional”. Quem estava em comoção era ele, que “não esperava o resultado”, apesar de ter ficado atrás em todas as pesquisas, durante todo o tempo da disputa eleitoral. O problema era dele e não do país.
Sobre o artigo 142, já havia encomendado uma interpretação torta, mas que evidentemente não se sustentou. Por fim, ele próprio usa a palavra autoexplicativa “intervenção” como alternativa analisada nesse momento pós- eleitoral.
“Não tem problema nenhum conversar: conversa primeiro com o ministro da Defesa. Depois na segunda reunião que apareceu os caras lá. Existe algo fundamentado, concretamente, para a gente buscar uma alternativa? Chegou à conclusão de que, mesmo que tivesse, não vai prosseguir. Então esquece”, disse, na entrevista à Folha, nesta sucessão de frases sem sujeito.
De novo, ele produz provas contra si mesmo. Ninguém o obrigou. Quando diz “então esquece”, o país não pode esquecer. O ex-presidente está admitindo que, no exercício do mandato, analisou tudo, até intervenção, contra o resultado eleitoral que o desfavoreceu. E, nessa reunião “com os caras lá”, chegou à conclusão de não prosseguir. (…)
Cada palavra dele volta-se contra ele. “Não tem problema nenhum conversar”. Tem sim. É conversa sobre o cometimento de um crime. É exatamente isso que está tipificado na lei de Defesa do Estado de Direito, que o próprio promulgou, e na qual agora está enquadrado. (…)
O jogo foi armado um ano e oito meses antes. “Um golpe, a história nos mostra, você não resolve em meses, anos”, explica o ex-presidente. É isso. É ele que diz. Bolsonaro é um réu que facilita o trabalho da acusação.
O Brasil está em terreno novo nesse momento ao tornar réus o ex-presidente e generais de quatro estrelas por tentativa de golpe de Estado. Levá-los a julgamento é mudar a História da República pela raiz.