Jair Bolsonaro e outros sete denunciados pela Procuradoria-Geral da República que integraram o “núcleo crucial” da “organização criminosa armada” agora são réus.
Integram este primeiro grupo do total de 34 denunciados dois policiais federais e seis oficiais das Forças Armadas: um tenente-coronel, um capitão reformado, três generais do Exército e um almirante da Marinha.
A decisão da 1ª Turma de Julgamento do STF representa uma resposta inédita da institucionalidade democrática.
Pela primeira vez na história do Brasil militares da cúpula das Forças Armadas, dentre eles ex-comandantes, ex-integrantes do Alto Comando do Exército e ex-ministros da Defesa, serão julgados perante a justiça civil pela tentativa de golpe de Estado.
A apuração, entretanto, precisa continuar. É necessário se investigar todos os demais militares e civis envolvidos na conspiração e que ficaram de fora do inquérito inicial da PF.
Ainda precisam ser descobertas outras camadas do empreendimento golpista, como a participação de empresários, agentes públicos, políticos, juristas e parlamentares que financiaram, estimularam o bando armado e defenderam a virada de mesa.
O agronegócio, por exemplo, além de ter financiado etapas terroristas do plano, também se ocupou da infra-estrutura, recrutamento e manutenção dos golpistas radicalizados nos acampamentos nos quartéis do Exército.
De todo modo, o julgamento e a condenação desses civis e militares pela Suprema Corte é um marco relevante para o processo de memória, verdade e justiça do nosso país.
Na Argentina, os comandantes militares implicados com o terror de Estado durante a ditadura foram condenados até à prisão perpétua. Alguns morreram no cárcere.
Diferentemente do país vizinho, contudo, no Brasil os facínoras ficaram impunes e não foram responsabilizados pelos crimes da ditadura de 1964 a 1985.
Eles recebem normalmente aposentadorias polpudas pagas pelo povo brasileiro. E aqueles que morreram impunes, legaram pensões vitalícias para filhas e esposas, como os militares envolvidos no sequestro, desaparecimento e assassinato de Rubens Paiva.
Os militares se auto-anistiaram no contexto da transição conservadora imposta, controlada e tutelada por eles mesmos.
A impunidade foi fatal. Confiantes na impunidade eterna, décadas depois do fim da ditadura as cúpulas fardadas se jogaram novamente numa empreitada golpista para concretizar um projeto de poder militar de longa duração.
Em 2018 os militares alardearam a volta ao poder “democraticamente”, por meio da vitória da chapa militar Bolsonaro-Mourão na eleição fraudada sem a concorrência de Lula.
Em março de 2022 publicaram o “Projeto de Nação”, documento que traduziu o projeto de poder militar para pelo menos até o ano de 2035.
Em abril de 2021, no entanto, quando Lula recuperou seus direitos políticos suprimidos pela gangue da Lava Jato, ele retomou a elegibilidade que fora cancelada pela pressão do general Villas Bôas sobre o STF.
Lula se tornou, a partir de então, a única alternativa do campo democrático capaz de deter a continuidade do projeto de poder fascista-militar em andamento.
Como o Procurador-Geral Paulo Gonet destacou na denúncia oferecida à Suprema Corte, o golpe não foi apenas aquele “instantâneo épico” do 8 de janeiro, porque foi um processo contínuo, prolongado no tempo e motivado pela mudança da conjuntura causada pela reabilitação política do Lula.
Na denúncia o PGR descreve que os golpistas “integraram, de maneira livre, consciente e voluntária, uma organização criminosa constituída desde pelo menos o dia 29 de junho de 2021 e operando até o dia 8 de janeiro de 2023, com o emprego de armas”.
Neste espaço de tempo, a organização criminosa colocou em marcha um processo metódico, planejado, com eventos encadeados para desestabilizar o ambiente político, provocar crise e esgarçamento institucional e, assim, legitimar a intervenção militar com Bolsonaro no poder – as “aproximações sucessivas”, nas palavras do general Mourão.
“Essa organização utilizou violência e grave ameaça com o objetivo de impedir o regular funcionamento dos Poderes da República e depor um governo legitimamente eleito”, descreveu o Procurador-Geral.
O que se descobriu é alarmantemente grave: o plano consistia, dentre outros atos bárbaros, assassinar o presidente e o vice-presidente eleitos, Lula e Alckmin, e o ministro do STF e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes.
A punição de todos envolvidos na tentativa de golpe é uma apólice de seguro e de proteção da democracia. A realização exemplar da justiça é a melhor vacina anti-ditadura.
É totalmente inaceitável e fora de propósito discutir-se anistia para golpistas criminosos.
Publicado originalmente no Blog de Jeferson Miola
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