Cristiano OliveiraDiretor de pesquisa econômica do banco Pine
O diretor de pesquisa econômica do banco Pine, Cristiano Oliveira, acredita que a economia brasileira deve se beneficiar da guerra comercial detonada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Na avaliação dele, o atual cenário econômico deve beneficiar países de renda média exportadores de commodities.
“São países que importam muitos bens duráveis”, diz Oliveira. “O que a gente vê é que os termos de troca, ou seja, a razão entre o preço daquilo que a gente exporta e importa, vai favorecer a nossa moeda. Vamos vender coisas cada vez mais caras e comprar coisas cada vez mais baratas.”
Na leitura do economista, o real vai continuar a se fortalecer em relação ao dólar, e o Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúne nesta semana, deve encerrar o clico de alta da taxa básica de juros — atualmente em 14,25% ao ano — com um aumento de mais 0,50 ponto porcentual.
“No nosso cenário base, ele começa a cortar na última reunião deste ano, mas eu vejo que é crescente a probabilidade de o Copom começar a cortar na penúltima reunião de 2025”, diz.
A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.
O governo de Donald Trump completou 100 dias. Até agora, qual é o impacto possível de todas as medidas anunciadas por ele, sobretudo, em relação ao tarifaço?
O primeiro ponto para a base de qualquer conversa sobre o governo Trump é que não existe uma racionalidade ou uma lógica macroeconômica. Não existe uma consistência macroeconômica, mas uma lógica geopolítica e geoeconômica. Esquece a macroeconomia como a gente conhece. A gente questiona muito, se em quatro anos do mandato do Trump, o resultado líquido vai ser positivo ou negativo para a economia dos Estados Unidos. Acredito que vai ser negativo.
Por quê?
No final de quatro anos, nós teremos uma inflação maior, um crescimento de PIB potencial menor e uma posição menos forte dos Estados Unidos como um ator global. Os EUA vão continuar sendo a potência hegemônica e a principal economia do mundo nos próximos anos. Mas o ponto é que, no relativo, a China deve avançar ainda mais nesse processo de competição com os Estados Unidos.
E, provavelmente, essa erosão da credibilidade — vamos chamar assim — da democracia americana, representada pelas instituições, vai gerar uma perda relativa de importância do dólar, como já está acontecendo.
Com esse cenário, o sr. imagina algum corte de juros pelo Fed (Federal Reserve, BC dos EUA)?
Eu acho que o recomendável é não ter nenhum.
Mas isso não fortaleceria o dólar?
Isso evita uma queda maior (do dólar), principalmente com relação a moedas dos mercados desenvolvidos. É um novo equilíbrio da economia americana, mas é um equilíbrio mais instável do ponto de vista macro, porque, de novo, não está seguindo a lógica que estamos acostumados a ver nos últimos anos, no pós-Segunda Guerra Mundial.
Segundo Oliveira, mudança grande na condução da política econômica global favorece os países exportadores de commodities e com uma renda per capita média Foto: AFP
E qual a consequência desse cenário para o Brasil?
As consequências para os mercados emergentes vão depender muito do contexto em que cada país está inserido. A gente acredita que a economia brasileira é pendular. Ela tem uma situação especial na qual essa mudança grande na condução da política econômica global favorece os países exportadores de commodities e com uma renda per capita média. São países que importam muitos bens duráveis.
Em outras palavras, o que a gente vê é que os termos de troca, ou seja, a razão entre o preço daquilo que a gente exporta e importa, vai favorecer a nossa moeda. Vamos vender coisas cada vez mais caras e comprar coisas cada vez mais baratas. Vemos um espaço grande para a apreciação do real. Em questão de semanas, vemos um câmbio a R$ 5,40.
O cenário com o Trump é positivo para o Brasil?
Para o Brasil, sim. Dada a estrutura da nossa economia e dada a força do nosso negócio, a gente exporta o que o mundo emergente quer comprar. E o Brasil está muito bem posicionado em termos de contas externas por conta disso, melhor do que qualquer outro país emergente. Tem muita incerteza, mas aquilo que o Brasil vende é proteína e grãos. Isso não tem como não continuar forte. Portanto, eu vejo o real com um destaque. Eu tenho essa visão construtiva há bastante tempo.
A análise preliminar que fizemos no começo de abril é que o PIB americano, por conta só dessa questão de tarifa e dessa política inconsistente do Trump, poderia sofrer um impacto direto de 0,75 ponto porcentual. Na mesma métrica, o da China reduziria em 0,25 ponto porcentual, e o Brasil teria uma elevação de 0,1 ponto porcentual. O efeito líquido seria benéfico para o Brasil. Agora, isso foi muito centrado em 2025. Para 2026, os números podem ser um pouco diferentes, mas a ideia continua sendo de que, na margem, o Brasil vai continuar sendo beneficiado.
Esse câmbio mais baixo vai trazer um alívio para o BC no combate à inflação?
Para mim, a política monetária funciona. O BC vai poder interromper o ciclo (de alta) e, eventualmente, cortar os juros em algum momento no final do ano ou começo do ano que vem muito mais porque a política monetária funciona. O câmbio vai ajudar a desacelerar o ritmo ou até ter um viés desinflacionário em cima dos bens tradables (aqueles comercializados). Mas o problema do Banco Central — e isso sempre tem sido dito — é em serviços, aquela inflação mais ligada à atividade econômica. E essa vai desacelerar porque a política monetária funciona. Não é por outro motivo.
Houve uma discussão porque parte dos economistas, em algum momento no final do ano passado e começo deste ano, não estava acreditando nisso (na força da política monetária), mas ela tem de funcionar. E estamos com um nível de juro real já bastante elevado.
Quais devem ser os próximos passos do Banco Central na condução dos juros?
Depois da decisão do Copom de dezembro, eu daria a mesma resposta que eu dou agora. A gente acha que o Copom vai parar com o ciclo de aumento monetário em maio, com (esse aumento de) 50 basis points (0,50 ponto porcentual). De novo, acreditamos na eficácia da política monetária. Eu não esperava um câmbio de R$ 5,63 nesse momento (na terça-feira, 29 de abril). Eu esperava que ele fosse apreciando ao longo do ano. Mas, independentemente disso, o BC já iria ter espaço por conta dos modelos que mostram que, ao longo dos próximos trimestres, vai haver uma desaceleração da inflação.
E qual é a projeção de IPCA?
Eu estou com 5,10% para este ano, e 4,10% para o ano que vem.
E o corte de juros ocorreria este ano ou em 2026?
No nosso cenário base, ele começa a cortar na última reunião deste ano, mas eu vejo que é crescente a probabilidade de ele começar a cortar na penúltima reunião de 2025. No fundo, quando o gerente de portfólio que está em Londres, Nova York ou em Frankfurt decide alocar recursos para mercados emergentes, ele faz uma comparação. A ideia que eu tenho é que fica muito claro que o Brasil paga uma remuneração muito boa, com uma grande rentabilidade e com as contas externas super robustas. Isso vai gerar uma oportunidade de corte dos juros.
O nosso cenário base são 300 basis points (3 pontos porcentuais) de corte, mas eu também não desprezo uma possibilidade de o Banco Central cortar até mais.
E como fica a atividade econômica nesse cenário?
No primeiro trimestre, temos 1,6% de crescimento do PIB, e o agro deve crescer 14,3%. A indústria tem uma queda de 0,5%, e o setor de serviços deve ter uma alta de 1,2%. No ano, temos 2,1%, e o agro avançando 8,5%.
O agro deve ser favorecido pela questão climática, porque estamos num regime neutro — não é um La Niña nem um El Niño. Tem um aumento de área plantada e de produtividade. Tudo isso vai levar a um crescimento grande da agricultura em 2025. Não estou falando da pecuária, porque ela deve ter um pequeno recuo do ano.
A parte (da economia) mais relacionada a taxa de juros e ao ciclo econômico stricto sensu vai crescer pouco. A indústria vai crescer em 1,4% e o setor de serviços, 1,8%, com uma participação grande de serviços ligados à agricultura. Os estímulos do governo vão ajudar, obviamente.
O risco fiscal e a adoção de novas medidas para estimular a economia não preocupam?
O incentivo do governo para adotar uma agenda que põe a perder esse cenário no ano pré-eleitoral e, mesmo no ano que vem, que é eleitoral, é muito baixo.
A gente tem um limitante fiscal. Eu acho que o governo vai dar algum impulso na demanda doméstica, mas ele não tem um espaço fiscal em que pode fazer muito também. A questão é esse impulso pode vir por outras maneiras, como, por exemplo, por meio dessa questão do crédito privado consignado, que, no fundo, não envolve dinheiro público, mas é uma maneira de dar um estímulo creditício para a economia.
Apesar dos riscos, eu acho que eles são limitados pela conjuntura global, que não permite cometer muitos erros, e pela doméstica, que não tem espaço fiscal para fazer uma expansão que seja maior, por exemplo, do que vimos em 2022, 2023 e nesse começo de 2024.