Poucos ditados populares descrevem tão bem a política brasileira quanto a velha expressão “trocar seis por meia dúzia”. Ela atravessa gerações, classes sociais e ideologias e continua atual, especialmente quando observamos os movimentos recentes no tabuleiro do poder em Brasília.
O episódio envolvendo o Ministério do Turismo é um exemplo quase didático.
Celso Sabino, deputado federal pelo Pará e então filiado ao União Brasil, foi elevado ao cargo de ministro do Turismo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Em determinado momento, o União Brasil decidiu oficialmente desembarcar da base governista e orientou seus filiados que ocupavam cargos no Executivo a entregarem as funções.
Sabino, no entanto, resistiu. Gostava do cargo e apostou que poderia sustentar-se politicamente mesmo contrariando a decisão partidária. O resultado foi previsível: o partido o expulsou, ele perdeu sustentação política e, pouco tempo depois, foi exonerado pelo governo federal.
Até aqui, tudo parecia coerente.
A ironia surge logo em seguida.
O novo ministro do Turismo não é filiado ao União Brasil, mas chegou ao cargo com o apoio discreto, porém decisivo, de lideranças desse partido. Trata-se de Gustavo Damião Feliciano, de 42 anos, filho do deputado federal e médico Damião Feliciano, filiado ao União Brasil. Ou seja, muito barulho, discursos sobre ruptura e independência, mas, na prática, nem o governo federal nem o União Brasil abriram mão de manter influência sobre o ministério.
Damião Feliciano, deputado federal e pai do novo ministro, vale lembrar, construiu sua trajetória política passando por diferentes siglas antes de chegar ao União Brasil. Como tantos outros parlamentares brasileiros, adaptou-se às circunstâncias do sistema político, priorizando sobrevivência, espaço e viabilidade eleitoral, inclusive projetando influência e protagonismo em cenários futuros.
Entre ideologia e pragmatismo, optou pelo segundo.
No modelo político brasileiro, a fidelidade ideológica costuma ser exceção. A regra é a conveniência, a negociação e a permanência no jogo de poder. Talvez apenas o Partido dos Trabalhadores e seus partidos satélites mantenham, com maior rigor, uma linha ideológica mais consistente e, ainda assim, sob o mesmo guarda-chuva de alianças.
Gustavo Damião Feliciano é natural de Campina Grande, na Paraíba, formado em Direito e já exerceu o cargo de secretário estadual de Turismo e Desenvolvimento Econômico entre 2019 e 2021. Currículo técnico existe. O desafio, porém, é eminentemente político.
Fica a pergunta inevitável: como um ministro apoiado por um partido que oficialmente desembarcou do governo Lula poderá atuar, no futuro, em um eventual projeto de reeleição presidencial e na construção de um quarto mandato? Se conseguir navegar nesse paradoxo, Gustavo Damião pode ganhar fôlego e ampliar sua carreira política.
Caso contrário, corre o risco de ser apenas mais um ministro tampão, ocupando o cargo para acomodar interesses regionais e satisfazer o governador da Paraíba, senadores, deputados federais, estaduais, prefeitos e vereadores.
No fim das contas, a sensação que fica é conhecida: discursos inflamados, rompimentos encenados, negociações de bastidores e o resultado prático é quase sempre o mesmo. A política gira, troca os nomes, muda os rostos, mas permanece essencialmente no mesmo lugar.
Mais uma vez, trocou-se seis por meia dúzia.
Elcio Nunes
Cidadão brasileiro


