Na missa pelos trinta dias da morte do poeta e cantor Vital Farias, na Igreja Nossa Senhora de Lourdes, um beija-flor pousou no fio do candelabro pendurado ao teto.
Tão silencioso, tão calmo, sem incomodar ou interromper o ato religioso, o beija-flor chegou com imponência com a saudação do poeta ausente que deu vida e voz às paisagens humanas, à terra degradada, à natureza amazônica, porque sempre clamou em seu grito agonizante.
Como a dizer: “Sou Vital, louvo a todos! Minha voz continua sendo o vosso grito”.
A presença do pássaro na igreja durante a celebração tem testemunhas de vista e de ouvido, além de ter sido gravada em vídeo.
O padre Marcelo Arruda, que carrega a mística dos padres do deserto, sem interromper a celebração, observou o voo do pássaro sem sobressalto, mas permaneceu cheio de contentamento.
Se vivo fosse, ao presenciar semelhante cena durante o ato religioso, seguramente o poeta ficaria emocionado.
O beija-flor iria até o poeta para enaltecer seus versos e sua voz redonda. O canto do poeta seria, para o pássaro, seu próprio canto, porque seu canto é leve. Ele tem a mais bela plumagem, o mais belo voo e os mais empolgantes gestos.
Mas foi o próprio poeta que chegou como um beija-flor para saudar seu povo que celebrava os trinta anos de sua passagem.
O beija-flor revelou a esperança de que a poesia, reunindo a oração que remove pedras e a arte como alimento da alma, foi lembrada por este poeta que tinha a cor do sertão.
A poesia está em todos os lugares. Vital Farias cantou a natureza, eternizou, em suas canções, a beleza que Deus criou. Revelou seu amor à Terra nos sons e nas melodias que saem do chão esturricado usando os acordes de sua viola. Sua voz ressoava pelos recantos do sertão, espalhando pelos quatro cantos como cantam os pássaros. Como devem cantar os poetas.
O pássaro, atraído por essa voz que ressoava pelas caatingas e grotões do Sertão ao Litoral, juntou sua mensagem aos cânticos de louvor à alma do menestrel.
A poesia e a palavra sagrada, reveladas pelo padre naquela noite, ganharam relevância no voo do beija-flor pela nave da igreja. A celebração para lembrar a ausência do amigo querido, ganhou aparência mística de dimensão imensurável, subindo ao monte com o poeta que canta os afluentes dos rios, as coisas da natureza e a vida nas caatingas. Cada canção sua é uma ode à festa da ressurreição.
O poeta atravessou os dias a cantar como uma espada de luz. Atravessou noites em companhia de sonhos e, fascinado pela natureza, cantava ao beija-flor e à mata que guarda mistérios.
Até que um dia o poeta não cantou mais. Aí, feito um pássaro, veio visitar a amada, que estava ali, rodeada pelas lembranças e emoções. Trouxe o beijo para lembrar o carinho e a saudade aos seus familiares e amigos.
Em vida, o poeta descobriu a poesia no silêncio da terra, que o acompanhava em forma de música. O silêncio é tudo. O silêncio de Taperoá andava com Vital. Ele cantou o amor e a vida porque, conforme Dante, o amor move o sol e os outros astros. Tinha sede do infinito, sede de felicidade e de paz.
Crescido entre as brisas das caatingas de Taperoá, escutando o canto do uirapuru, observando o voo da asa branca e o gemido das trovoadas, no desafiar dos anos, Vital aprendeu a expressar o sentimento da alma. Ainda mais da alma do nordestino.
Ele falou da beleza da natureza e seus elementos. Ele tinha cantigas sobre a terra, cantava a fauna e a flora, a festa na terra, cantigas de roça, os animais. Em uma canção, Vital exaltou: “Deus esteja nessa casa em formato e canção/coração feito menino”.
Em outro poema musicado, sem ser franciscano, o poeta abre seu coração: “Ah, se eu fosse um beija-flor/ de dia tava voando/ de noite tava beijando nos lábios do meu amor”.
Naquela noite, na igreja, testemunhado pelos anjos e iluminado pelos diversos solares, o poeta certamente mandou o beija-flor levar o recado para sua musa: “Te mando um monte de beijos/Ai que saudade sem fim”.
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