O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desde que assumiu o seu segundo mandato, se projetou como o principal mediador dos maiores conflitos armados que o mundo enfrenta atualmente: a guerra entre Rússia e Ucrânia e o conflito entre Israel e Hamas.
Para entendermos melhor, de fato, qual é o papel do presidente dos EUA nos conflitos mundiais, o Metrópoles ouviu dois especialistas em guerras.
O que está acontecendo?
- Donald Trump se colocou como o principal mediador do cessar-fogo temporário de 30 dias entre Ucrânia e Rússia.
- O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, aceitou intregralmente a proposta de cessar-fogo.
- Já o presidente russo, Vladimir Putin, aceitou um cessar-fogo parcial em ataques contra infraestruturas energéticas.
- Junto com mediadores egípcios e do Catar, os Estados Unidos também participaram do cessar-fogo entre Israel e Hamas, que entrou em vigor no dia 19 de janeiro. Mesmo sem assumir o cargo, Donald Trump esteve envolvido no acordo.
- O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu foi o primeiro líder que Donald Trump encontrou após sua posse, discutindo a situação na Faixa de Gaza.
- Com o rompimento do cessar-fogo após os ataques israelenses na última terça-feira (18/3), a Casa Branca confirmou que autorizou a retomada dos ataques em Gaza, levantando dúvidas sobre se Trump atua como mediador ou, de fato, incentivador.
A guerra na Ucrânia, iniciada no dia 24 de fevereiro de 2022, deixou o território ucrâniano arrasado, além de mais de 12,3 mil civis mortos de ambas nações. O líder norte-americano elaborou um plano de cessar-fogo imediato por 30 dias, já aceito pelos ucranianos.
Apesar da Ucrânia ter aceitado a proposta, o cenário russo não foi o mesmo. Após uma chamada de mais de três horas, em que Trump esperava convencer o presidente russo, Vladimir Putin, a aceitar a proposta, o máximo que o republicano obteve foi uma trégua limitada.
Iniciada em 19 de janeiro, a trégua entre Israel e Hamas foi negociada com a participação de mediadores egípcios e do Catar, prevendo uma pausa total nos ataques e a troca de reféns mantidos por ambos os lados. Antes mesmo de assumir o segundo mandato presidencial, Donald Trump participou das negociações de cessar-fogo. Em um ano de guerra, o conflito deixou mais 43 mil palestinos mortos.
A proposta consistia em três fases, sendo a primeira, a libertação de reféns detidos pelo Hamas em troca de prisioneiros palestinos. Trump já havia sinalizado, desde seu primeiro mandato, que continuaria apoiando Israel, e uma prova disso foi o apoio aos ataques israelenses na Faixa de Gaza, na última terça-feira (18/3), contra o Hamas, rompendo o acordo.
Cessar-fogo entre Ucrânia e Rússia
Donald Trump, que usualmente repete ter uma excelente relação com o presidente russo, Vladimir Putin, e sempre foi crítico ao auxílio militar dado pelos EUA à Ucrânia, se posicionou como o principal articulador do cessar-fogo temporário de 30 dias, entre os dois países. Para entender de fato o impacto de Trump em um possível fim da guerra, o Metrópoles conversou com doutorando em Relações Internacionais Tito Lívio Barcellos Pereira.
“Uma das bandeiras de Trump é que ele iria negociar o fim da Guerra da Ucrânia por uma via política e uma via diplomática. Embora seja cedo para nós avaliarmos a efetividade das políticas de Trump, você tem uma relação praticamente de chantagem e coerção com seus próprios aliados, visto a intimidação que Trump fez em cima do Zelensky no Salão Oval da Casa Branca”, lembra o especialista.
Tito destaca que a negativa russa em aceita um cessar-fogo total, após uma chamada de 3h de Putin com Trump, se dá pelo fato da concessão territoral não ser o principal motivador russo para o conflito.
“Muitos analistas e opinião pública em geral estão se apoiando na ideia de que os russos vão se satisfazer apenas com as concessões territoriais, ou seja, a Ucrânia abdicar dos territórios anexados em 2014 e em 2022, mas o motivo principal da guerra não é esse. Não é uma anexação ou um apetite imperial. A questão da Rússia é criar um novo regime de segurança, e esse regime de segurança não contempla a Ucrânia na Otan”, explica Tito.
O especialista destaca que é mínima a possibilidade da Rússia aceitar um acordo que não há uma garantia de que a Ucrânia estará numa situação de neutralidade, que ela não esteja alinhada nem a um bloco militar norte-americano.
“Isso não significa que os russos queiram a continuidade da guerra, mas o objetivo está expressamente claro em que enquanto a Ucrânia não renunciar a adesão à Otan, não haverá nenhum acordo”, conclui o especialista.
Cessar-fogo entre Israel e Hamas
As discussões entre Netanyahu e Trump giraram em torno de um possível reassentamento da população de Gaza, com a ideia de transferir os palestinos para o Egito e Jordânia. Apesar de atuar como mediador, o presidente dos EUA ameaçou constantemente o Hamas, principalmente devido ao atraso na entrega dos reféns israelenses.
O cessar-fogo parece ter chegado ao fim com a retomada dos ataques do exército israelense. O morador de Israel, mestre em história pela Universidade de Tel-Aviv, assessor do Instituto Brasil-Israel e membro do podcast Do Lado Esquerdo do Muro, João Miragaya, explicou ao Metrópoles que, se avaliar as ações de Trump, elas serão “dúbias”.
“Por um lado, foi graças a sua pressão que houve o acordo de cessar-fogo. Por outro, ele respalda o retorno israelense à guerra e as exigências israelenses nas negociações por um novo acordo, que dificilmente serão aceitas pelo Hamas”, conta Miragaya.
O especialista explica que os Estados Unidos possuem um projeto para o Oriente Médio, que inclui “uma aliança regional composta pelas monarquias sunitas do Golfo Pérsico, Egito, Turquia, Jordânia, além de outros países árabes”.
“O fim da guerra pode proporcionar uma aliança anti-Irã mais fluida, que possa contar com uma cooperação entre Arábia Saudita e Israel, e a guerra dificulta essa situação”, explica.
Para Miragaya, a única intervenção possível em Gaza seria a exigência do governo de Trump pelo fim da guerra, como ocorreu no primeiro estágio do cessar-fogo. “Se tomar essa decisão, Netanyahu provavelmente não terá como recusar, mesmo que isso prejudique seu governo”, conta.