O Ministério dos Transportes vai publicar uma nova portaria com mecanismos financeiros que pretendem blindar novas concessões de infraestrutura de fortes oscilações de juros e câmbio, fatores que hoje são apontados como os principais obstáculos para o sucesso dos futuros leilões.
Conforme informações obtidas pela reportagem, essa nova portaria, prevista para ser publicada entre fevereiro e março, vai criar uma cesta inédita de indicadores financeiros, para que seja feita a atualização monetária dos contratos de concessão.
Atualmente, todas as concessionárias têm seus contratos atualizados pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que é o principal indicador de inflação do país, calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Acontece que, dentro do setor de infraestrutura, são frequentes as situações em que este único índice não consegue captar movimentações bruscas no preço de insumos, como asfalto betuminoso, aço e diesel, por exemplo.
Por isso, o objetivo é que esse novo mecanismo passe a contar com outros índices, além do IPCA. Isso inclui, por exemplo, o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), que é calculado pela FGV (Fundação Getulio Vargas) e muito utilizado para reajustar contratos de construção civil, incluindo as concessões de infraestrutura.
A partir de uma fórmula que contenha os principais insumos de rodovias e ferrovias, por exemplo, será calculado o peso de cada um deles em determinada obra e, assim, definido o reajuste. O texto da portaria está em fase de análise regulatória no Ministério dos Transportes, para que seja publicada no Diário Oficial da União.
O novo índice pretende formar uma nova camada de segurança financeira para a etapa de investimentos mais pesados das concessões, quando ocorre a compra de grande volume de material e insumos. No ano passado, por exemplo, houve um forte descolamento de preços entre o reajuste do IPCA e o aumento no valor do insumo betuminoso, utilizado para fazer o asfalto -produto que tem preço muito atrelado a variações cambiais. O mecanismo pretende corrigir esse tipo de distorção.
A medida foi bem recebida por nomes da iniciativa privada. “Essa questão é central para nós, porque busca uma precificação mais correta. Usar só o IPCA é algo muito simplório, que não capta todas as demais variações. Será uma medida bem recebida por todo o setor. Essa nova regra melhora a percepção de risco do investimento”, disse Ronei Glanzmann, diretor-executivo do MoveInfra, organização que reúne seis empresas de infraestrutura logística (Grupo CCR, Grupo EcoRodovias, Hidrovias do Brasil, Rumo, Santos Brasil e Ultracargo).
Para Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), a mudança coloca mais uma camada de proteção para tentar garantir sucesso nas dezenas de concessões previstas para este ano.
“A variação de juros sempre deixa o mercado em alerta. Vemos que, no âmbito das concessões, já existem alguns mecanismos de proteção e essas novas medidas podem amortecer ainda mais o impacto dessa oscilação no curto prazo”, afirmou Barcelos.
As medidas para tentar garantir que as concessões de infraestrutura fiquem protegidas de fortes oscilações econômicas também passam pela taxa básica de juros do país, a Selic, que nesta quarta-feira (29) foi aumentada em um ponto percentual, chegando a 13,25% ao ano.
Em dezembro do ano passado, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), principal destino dos financiamentos de infraestrutura, fez uma alteração na lei que criou a LCD (Letra de Crédito do Desenvolvimento), para mexer com a TLP (Taxa de Longo Prazo), que é aplicada nos financiamentos do banco.
Até então, o concessionário que vencesse um leilão tendo como base de sua proposta a taxa de juros daquele momento corria o risco de encarar um cenário de juros bem menos favorável quando fosse tomar o crédito com o BNDES tempos depois. Muitas vezes, entre o leilão e a assinatura de um financiamento com o banco, há um intervalo de um a dois anos.
Com a mudança na lei, que já está valendo desde o mês passado, os financiamentos do BNDES garantem o compromisso de se basear na taxa de juros que estava vigente no momento do leilão, caso tenha havido aumento no momento de assinar o contrato. Se a taxa tiver caído, a concessionária tem ainda o benefício de ficar com o menor índice.
“Isso é extremamente importante, porque reduz o risco de os juros aumentarem entre a proposta e o financiamento efetivo, dando mais previsibilidade financeira ao investidor”, avalia Ronei Glanzmann, da MoveInfra.
Outras medidas para lidar com a questão cambial e dos juros já são aplicadas aos contratos. É o caso da “conta-garantia”, por exemplo, que funciona como uma reserva de segurança financeira para o investidor.
No início da concessão, a empresa abre essa conta com um valor mínimo pré-definido, geralmente correspondente a alguns meses de fluxo de pagamento do contrato. Ela é mantida ativa ao longo do contrato, com aportes regulares vindos das receitas da concessão, como tarifas de pedágio, tarifas aeroportuárias ou receitas logísticas.
Se houver desvalorização cambial impactando contratos atrelados a moedas estrangeiras, como financiamentos em dólar ou euro, a conta pode ser utilizada para cobrir parte dessas perdas e evitar um aumento abrupto de tarifas para os usuários dos serviços. Caso ocorra queda de receita, a concessionária pode usar os recursos da conta-garantia para honrar compromissos, sem recorrer a aumentos emergenciais de tarifas.
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