Uma campanha de desinformação envolvendo o cantor Gilberto Gil e os Correios se espalhou com rapidez em grupos bolsonaristas no WhatsApp e Telegram entre os dias 7 e 9 de abril de 2025. O gatilho foi o anúncio do patrocínio de R$ 4 milhões da estatal à turnê “Tempo Rei”, do artista baiano.
Segundo monitoramento da empresa Palver, especializada em análise de redes sociais, o disparo de vídeos e mensagens sobre o tema teve início na manhã de terça-feira (8), por volta das 10h, e apresentou sinais claros de coordenação. As mesmas mensagens foram compartilhadas em massa, com horários semelhantes, em canais já conhecidos por impulsionar pautas da extrema direita.
O levantamento identificou um crescimento de 1.400% nas menções ao tema em apenas dois dias. O pico de compartilhamentos ocorreu no dia 9, quando 83% das mensagens estavam relacionadas ao patrocínio e 38% envolviam também o plano de saúde dos Correios.
As mensagens tentavam sugerir, de forma enganosa, que a crise financeira da estatal estaria relacionada ao valor investido no show de Gil — prática comum no marketing cultural e adotada por governos de diferentes espectros ideológicos. Os conteúdos distorciam fatos, omitiam informações relevantes sobre contrapartidas do patrocínio e usavam apelos emocionais para engajar usuários desavisados.
A ofensiva digital ganhou contornos ainda mais absurdos ao tentar conectar, sem qualquer evidência, o patrocínio da turnê ao tratamento de saúde da cantora Preta Gil, filha de Gilberto Gil, nos Estados Unidos. “Lula usou os Correios para pagar o tratamento da filha do amigo”, dizia um dos vídeos.
Outro conteúdo, ainda mais conspiratório, afirmava que Preta faria parte de um esquema global de manipulação política envolvendo think tanks internacionais e a USAID, agência de cooperação dos EUA. Após viralizar nas redes privadas, o tema foi amplificado em blogs, rádios regionais e canais considerados “alternativos”.
A campanha utilizou técnicas já conhecidas da indústria da desinformação, como falsa causalidade, ironia e simulações emocionais. Expressões como “os Correios agora entregam militância” ilustram o tom debochado das mensagens, que pretendem ridicularizar figuras públicas associadas à esquerda.
De acordo com especialistas, esse tipo de ofensiva segue um padrão em três etapas: primeiro, viraliza em redes fechadas como WhatsApp e Telegram; depois, ganha força em mídias de menor alcance que se dizem “independentes”; e, por fim, chega a influenciadores digitais e parlamentares de direita, que ecoam a narrativa sob o argumento de que “algo precisa ser investigado”.
A campanha também revela o uso político de ataques culturais como forma de alimentar a chamada guerra cultural, promovida por setores conservadores com o objetivo de deslegitimar artistas progressistas.
Apesar da polêmica fabricada, o patrocínio à turnê “Tempo Rei” está dentro das normas legais e segue práticas rotineiras de incentivo à cultura no país. Gilberto Gil, inclusive, é referência na valorização da cultura nacional e já foi ministro da Cultura durante o governo Lula.
Em 1997, na canção “Pela Internet”, Gil cantava sobre a possibilidade de promover debates no meio digital. Em 2025, o cantor se vê novamente no centro de uma discussão — não pela inovação, mas por ser alvo de uma rede de desinformação alimentada por interesses ideológicos.
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