O julgamento de Joël Le Scouarnec, ex-cirurgião acusado de violentar e abusar sexualmente de 299 pacientes, entrou em uma fase decisiva nesta terça-feira (25), na França. Familiares do réu começaram a testemunhar e relataram o choque ao descobrir a extensão dos crimes. As informações são do R7, parceiro nacional do Portal Correio.
Um dos depoimentos foi do filho mais jovem de Le Scouarnec, hoje com 37 anos. Em um pronunciamento longo e emocional, ele confessou que, inicialmente, não conseguia acreditar nas acusações. “Foi difícil aceitar que era real… que realmente era meu pai”, declarou.
Segundo ele, o impacto das revelações tem sido devastador, a ponto de afetar sua confiança nas pessoas. “Se meu pai conseguiu fazer isso por anos, qualquer um pode fazer. Você se torna paranoico”, disse, admitindo que evita deixar seu filho sozinho com qualquer pessoa, mesmo dentro da família.
Outro testemunho veio do irmão mais velho, de 42 anos, que revelou ter sido vítima de abuso sexual pelo próprio avô – pai do réu. Ele contou que sofreu agressões entre os 5 e 10 anos de idade, marcadas por episódios de exibicionismo, toques e sexo oral.
“Tenho imagens que ficarão na minha memória para sempre”, afirmou. A ex-esposa de Le Scouarnec, cujo depoimento era um dos mais aguardados do julgamento, chegou ao tribunal tentando esconder o rosto, cercada por jornalistas.
Em sua declaração, disse nunca ter desconfiado do ex-marido, nem mesmo após sua primeira condenação por posse de material pornográfico infantil em 2005. No entanto, investigações revelaram que evidências sobre os abusos já existiam desde a década de 1990.
Crimes documentados e vítimas anestesiadas
Le Scouarnec enfrenta 111 acusações de estupro e 189 de agressão sexual, ocorridos entre 1989 e 2014. A gravidade do caso se intensifica pelo fato de que a maioria das vítimas eram menores de 15 anos e estavam sob seus cuidados médicos.
As investigações começaram oficialmente em maio de 2017, após uma denúncia da vizinha do cirurgião, que o acusou de abusar de sua filha de 6 anos. Durante a operação de busca na residência do réu, a polícia encontrou um material estarrecedor: dezenas de cadernos nos quais ele detalhou minuciosamente os abusos cometidos ao longo de mais de duas décadas.
Além disso, os investigadores identificaram que muitas das vítimas estavam anestesiadas durante os ataques e sequer tinham consciência do que havia acontecido.
O caso também levanta questionamentos sobre a negligência das autoridades médicas francesas. Desde 2004, o nome de Le Scouarnec já havia aparecido em investigações do FBI sobre compra de pornografia infantil. A polícia francesa foi informada, e ele chegou a ser condenado a quatro meses de prisão com sursis (pena suspensa).
No entanto, mesmo após essa condenação, o cirurgião continuou exercendo a profissão e atendendo crianças até sua aposentadoria, em 2017. Organizações de defesa dos direitos das vítimas e manifestantes criticam a atuação do Conselho de Medicina, que já tinha conhecimento das acusações e não impediu que ele seguisse trabalhando. Dois dos hospitais pelos quais o médico passou estavam cientes da condenação, mas ainda assim permitiram que ele continuasse exercendo a profissão.
O julgamento segue em andamento e deve definir a sentença de Le Scouarnec, que pode chegar a 20 anos de prisão. O caso é considerado um dos maiores escândalos de abuso sexual na história da França.
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