Vivemos numa era em que o bebê reborn, uma boneca feita para parecer um recém-nascido de verdade, é tratado como gente. Tem certidão de nascimento, ganha presente no chá de fraldas e recebe parabéns no aniversário. E não, isso não é ficção científica. É só 2025 mesmo. O que antes seria pauta de sessão de terapia virou hobby, entretenimento e, por que não, uma forma válida de afeto. O problema é que, no embalo, a sanidade virou um fardo — e ser centrado demais virou sinônimo de alienado.
Endoidar deixou de ser um sintoma e passou a ser escolha. E quem opta por manter o pé no chão, seguir a cartilha da moderação, buscar equilíbrio e pensar antes de agir, normalmente, é quem acaba mais frustrado. Por quê? Porque o mundo aplaude o excesso, o grito, o teatro. O absurdo virou regra e o bom senso, exceção.
A diferença entre remédio e veneno, já dizia o velho ditado, está na dose. E nunca essa máxima foi tão real. Tomar um calmante para dormir pode ser cuidado. Tomar dez é desespero. Hoje, o desespero está travestido de autenticidade, de lifestyle, de “meu jeito de viver”. A fronteira entre tratar e performar o desequilíbrio foi rompida — e com tapete vermelho.
Nas redes sociais, cada surto é conteúdo. Choro vira trend. Raiva ganha filtro. Fala sem freio vira podcast. Se alguém resolve parar, respirar, filtrar o que diz e tentar ser racional, logo vem alguém com ar de superioridade dizer: “você é frio, calculista, está reprimindo suas emoções”. Não, talvez a pessoa só esteja tentando não virar um meme de si mesma.
Quem resolve se manter centrado — esse sim se lasca. Carrega o peso da coerência num mundo que venera a contradição. É o que ouve calado, pensa duas vezes antes de agir, evita o conflito, tenta construir. Só que, num tempo em que o barulho virou argumento, quem fala baixo não é escutado. E aí, o mundo gira com os extremos e deixa de lado quem tenta construir o meio.
Então sim, em tempos de bebê reborn, de surtos performáticos e de “cada um com sua verdade”, talvez o maior ato de rebeldia seja seguir buscando equilíbrio. Mas que dá raiva ver o circo pegando fogo enquanto você segura o balde de água… ah, isso dá.
Márcia Dias