A Cidade de Monteiro, localizada no Cariri Paraibano, a 300km da capital, se prepara para ser o coração pulsante da cultura nordestina nos dias 28 e 29 de março, com a reunião de Poetas, Repentistas, Declamadores, Cordelistas e Violeiros, para homenagear o Poeta Zé de Cazuza, na 14º edição do Festival de Cultura Popular Zabé da Loca.

Laureado com o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, aos 95 anos, José Nunes Filho nasceu em 12 de dezembro de 1929, na Fazenda Boa Vista, zona rural de Monteiro. Aos seis anos, assistiu a sua primeira cantoria de viola. Na peleja, estavam Severino Lourenço Pinto e Antônio Marinho do Nascimento. O fato lhe marcaria a memória. Não apenas pessoal. Mas a memória da própria cultura.
Professor Gilmar Leite, do Departamento de Educação do Centro de Ciências Aplicadas e Educação (CCAE) da UFPB, disse que a concessão foi um reconhecimento pelos 50 anos dedicados por Zé de Cazuza à preservação do patrimônio poético do sertão e à educação das pessoas por meio da poesia. “Zé de Cazuza é uma escola educativa, literária, antropológica. Ele é o primeiro e o único a ter guardado na memória tantos versos do século passado, dos anos 50, e 60, ele criou uma escola, então ele é um educador, não de conteúdos pragmáticos, acadêmicos, mas de conteúdos poéticos, sensitivos, culturais”, explica o docente que propôs a homenagem.

Zé de Cazuza continua sua saga como o principal memorialista da geração clássica de poetas do Sertão do Pajeú. “Não tem mais cantador, não. Jovem, não mais. Todos eles hoje têm entre 60 e 70 anos de idade”, diz ele.
Ele não demora muito a sair do Sítio São Francisco, localizado na zona rural do município de Prata, onde criou os filhos e ainda mantém suas roças de mandioca. No centro de São José do Egito, município localizado no vizinho estado de Pernambuco, é tomado como parte natural da paisagem. Conversa com um, acena para outro, elogia a beleza de uma moça e, entre um trago de cachaça ou um gole de cerveja, não dispensa uma prosa.

“Nunca mais apareceu alguém que saiba me entrevistar direito. O melhor foi Cascudo”, se referindo ao “folclorista” potiguar Luís da Câmara Cascudo, cuja obra seria um dos eixos de entendimento do que viria a ser reconhecido como a cultura popular do Nordeste.
Se a poesia cantada do Pajeú não respirava academias, menos ainda se destinava ao papel. Naquela época, em que também os meios de comunicação eram escassos, os poetas eram também cronistas e informadores dos fatos sociais do mundo.
A poesia era feita e consumida na hora, comenta o professor de filosofia e pesquisador Marcos Nunes da Costa. “Sem Zé de Cazuza, muito do que foi declamado no calor do improviso jamais teria se tornado clássico com o tempo, se não fosse a atenção de Zé de Cazuza. Dono de uma memória prodigiosa, ele simplesmente decorava os grandes versos nascidos nas rodas de glosa e cantoria”.
“Só não entrava na cabeça dele verso ruim. O que era bom, ele gravava na hora. A maioria desses poetas sequer seria lembrada, se não fosse a memória obstinada de Zé de Cazuza”. Comenta o escritor Antônio José de Lima, autor do livro “Legado Filosófico de Poetas e Repentistas Semianalfabetos” (Ed. Bagaço).
“EU SÓ ME LEMBRO DAS COISAS”

“Não tem técnica, não. Eu só me lembro das coisas”, simplifica ele, consciente de seu papel como o grande memorialista da poesia do Pajeú. De um só fôlego, ele se veste da conhecida entonação poética da região e lembra um dos principais poemas de Louro do Pajeú sobre o peso dos anos acumulados na vida: “Eu já não suporto mais/ Na vida, tantas revoltas/ Prazer, por que não me buscas?/ Mágoas, por que não me soltas?/ Presente, porque não foges/ Passado, por que não voltas?”.
Mas seu espírito de menino parece não ter espaço para melancolias. Quer mais é ampliar os dados do seu HD cerebral com novas poesias. “Nem sei ainda. Mas vou ampliar meu livro. Acho que ainda dá pra incluir uns 30 poetas numa próxima edição”, diz ele, sobre o seu livro “Poetas Encantadores”, um livro que desde seu lançamento, nos anos 80, já teve quatro reedições e, naturalmente, se tornou uma das grandes referências para essa escola de poesia falada que, no papel, tem ampliado sua fala.
O 14º Festival de Cultura Popular Zabé da Loca, realizado nos dias 28 e 29 de março de 2025, é uma realização da Prefeitura Municipal de Monteiro, através da Secretaria de Cultura e Turismo, sob coordenação do Secretário Nanido Cavalcante e Executiva Eliane Andrade.
Chico Lobo – AgoraPB