Às vezes, a única resposta às frequentes ameaças da China de invadir Taiwan é o humor negro. No Museu do Palácio Nacional de Taipei, guias dizem aos visitantes que a coleção de tesouros imperiais, retirada do continente quando o regime nacionalista derrotado fugiu para Taiwan em 1949, o torna um dos lugares mais seguros da ilha. “A China cobiça nossos acervos e, por isso, nunca bombardeariam este lugar”, diz um deles.
A piada captura uma crescente sensação de apreensão. O poderio militar da China está crescendo e assediando Taiwan implacavelmente. A política da ilha autônoma está se polarizando, mesmo com seu principal apoiador, os Estados Unidos, se tornando menos confiável. Alguns observadores veem “luzes de alerta piscando”, mostrando que a China está se preparando para promover a “reunificação” à força.
Outros acreditam que Xi Jinping, o líder chinês, esperará para colher os benefícios da abordagem de demolição de alianças de Donald Trump. Poucos duvidam, no entanto, que a China continuará pressionando Taiwan por meio de agressões situadas em uma “zona cinzenta”, ou seja, coerção sem guerra. De fato, a turbulência na geopolítica global pode oferecer uma oportunidade para testar novas formas de intimidação.
Um caça da Força Aérea de Taiwan realiza um exercício militar
Foto: I-hwa Cheng/AFP
As forças chinesas frequentemente ensaiam uma invasão anfíbia a Taiwan. Recentemente, testaram novas pontes transportadas por barcaças, que expandem o número de possíveis pontos de desembarque e permitem que as tropas cheguem à terra firme mais rapidamente. Recentemente, no entanto, esses exercícios de Dia D foram complementados por ensaios para um bloqueio naval total ou parcial. E cabos de comunicação submarinos continuam sendo cortados.
Em exercícios realizados em abril, chamados “Trovão do estreito 2025A” (o nome sugere que outros do tipo virão), o Exército de Libertação Popular da China (ELP) afirmou ter praticado, entre outras coisas, bombardeios de portos e instalações de energia. “Se Taiwan perder suas linhas de abastecimento marítimo, seus recursos domésticos serão rapidamente esgotados, a ordem social vai degenerar em caos e os meios de subsistência das pessoas serão severamente impactados”, gabou-se um oficial do ELP em um vídeo de propaganda, em um cenário que imitava o convés de um porta-aviões.
A ameaça crescente da China
A ameaça de uma interrupção no transporte marítimo é preocupante para uma ilha que importa a maior parte de seu combustível e grande parte de seus alimentos. Também pode ter consequências globais, já que Taiwan produz 90% dos semicondutores mais avançados do mundo e o Estreito de Taiwan é uma das principais vias navegáveis comerciais do mundo.
A discussão envolvendo o corte de linhas de suprimento, juntamente com exercícios militares e o rompimento de cabos submarinos, também contribui para a campanha de “guerra cognitiva” da China, que busca demonstrar seu poder, exaurir Taiwan, expor os limites da proteção americana e, idealmente, induzir os líderes taiwaneses a se renderem sem lutar.
A inconstância de Trump fez a segurança de Taiwan parecer mais precária. Ninguém sabe ao certo com que veemência ele a defenderia, se é que o faria, dada sua intimidação à Ucrânia e seu desprezo por alianças. Ele ameaçou impor tarifas drásticas sobre produtos não apenas de Taiwan, mas também do Japão, das Filipinas e da Coreia do Sul, cuja ajuda seria necessária em qualquer conflito.
O provável custo para os Estados Unidos de uma guerra com a China está crescendo constantemente, em paralelo ao poderio militar chinês. Os altos escalões americanos agora pensam menos em derrotar a China e mais em negar-lhe uma vitória rápida e fácil, na esperança de que o risco de uma luta feroz e custosa seja suficiente para afastar as pretensões de Xi.
No entanto, a situação de Taiwan não é tão sombria quanto os propagandistas chineses fazem parecer. Embora Xi tenha supostamente instruído o Exército de Libertação Popular (ELP) a estar pronto para invadir até 2027, expurgos recentes de comandantes do ELP sugerem que ele não confia em suas forças.
Pelo menos no papel, entretanto, o compromisso dos Estados Unidos com a defesa de Taiwan é o maior de todos os tempos. Um documento estratégico do Pentágono vazado em abril afirma que impedir “uma tomada de Taiwan pela China como fato consumado” é a tarefa militar mais importante dos Estados Unidos, além de defender a pátria. Muitos funcionários do governo Trump falam duramente a respeito de Taiwan. Alguns veem a guerra tarifária como uma forma de manter a China sob controle.
Exercícios militares e simulações de bloqueio
Mas, se os Estados Unidos conseguirem impedir Xi de iniciar uma guerra por Taiwan, isso poderá aumentar o fascínio da China por atos que não sejam de guerra, na zona cinzenta ou, como alguns agora a definem, na zona “cinzenta escura”.
Em particular, alguns estudiosos distinguem entre um bloqueio naval total, que provavelmente seria interpretado como um ato de guerra, e uma “quarentena”, que poderia restringir apenas parte da navegação e poderia ser comandada pela guarda costeira chinesa em vez da marinha. Exercícios militares recentes envolveram tanto a marinha quanto a guarda costeira, bem como milícias marítimas em barcos de pesca, mobilizadas em uma “estratégia do tipo repolho” para envolver Taiwan em camadas de forças.
Taiwaneses protestam no Dia do Trabalho, em Taipei, Taiwan
Foto: Chiangying-ying/AP
Um bloqueio, afirma Bonnie Glaser, do German Marshall Fund, um centro de estudos estratégicos em Washington, pode oferecer a pior combinação de risco e recompensa para a China: poderia provocar uma resposta militar americana sem forçar Taiwan a se render. É por isso que uma quarentena é mais provável.
Poderia ser menos arriscada e mais flexível, e a China poderia apresentá-la como uma questão de aplicação da lei doméstica, afirma Lee Jyun-yi, do Instituto de Pesquisa de Defesa e Segurança Nacional, um centro de estudos estratégicos ligado ao Ministério da Defesa de Taiwan. Oficiais da guarda costeira poderiam abordar navios sob o pretexto de impor um novo regime aduaneiro, interromper a propagação de doenças ou impedir que certas armas cheguem a Taiwan. Tal abordagem “dá à China mais espaço para recuar” quando necessário, explica Lee.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, posa para uma foto com o presidente da China, Xi Jinping, antes de uma reunião em Osaka, Japão, durante o G-20
Foto: Susan Walsh/AP
A vulnerabilidade de Taiwan
A vulnerabilidade mais grave é a energia. A ilha importou cerca de 96% de sua energia no ano passado, incluindo praticamente todo o gás natural liquefeito, que representou cerca de 42% da geração de eletricidade. Taiwan está aumentando a capacidade de armazenamento, impulsionando as energias renováveis e elaborando planos para racionar energia e reativar antigas usinas a carvão em caso de emergência.
Mesmo assim, os estoques mínimos de GNL aumentarão de 11 dias de consumo neste ano para apenas 14 dias até 2027. O governo está desativando gradualmente sua última usina nuclear este ano e planeja aumentar as importações de GNL, principalmente para reduzir o superávit comercial com os Estados Unidos.
Quanto à alimentação, Taiwan importou cerca de 70% das calorias consumidas por sua população em 2023, mas é amplamente autossuficiente em arroz, vegetais, frutas e frutos do mar. O país estocou arroz para cerca de sete meses e carne para 12 meses. Há também planos de contingência para macarrão instantâneo.
O presidente de Taiwan, Lai Ching-te, discursa em um evento em Taipei, Taiwan
Foto: I-hwa Cheng/AFP
Taiwan também está se preparando para um bloqueio de informações. Em abril, o capitão chinês de um navio cargueiro foi acusado de arrastar deliberadamente sua âncora para cortar um cabo de comunicação. Os 14 cabos submarinos internacionais de Taiwan são vulneráveis. O país está explorando alternativas como sistemas de micro-ondas, satélite e balões, embora nenhum se compare à capacidade dos cabos submarinos. A constelação de satélites Starlink, usada pelas forças armadas da Ucrânia, foi descartada devido a obstáculos regulatórios e ao receio de que seu proprietário, Elon Musk, tenha inclinação pela China. Os satélites nativos de Taiwan estão progredindo lentamente.
A guarda costeira de Taiwan, pequena em comparação com a da China, estaria na vanguarda da defesa das linhas de comunicação da ilha. Se o comércio for bloqueado, ela espera abrir “rotas verdes” protegidas para o transporte marítimo. Alguns especialistas defendem o uso de navios cargueiros para obstruir embarcações chinesas, embora talvez os armadores não estejam dispostos a desafiar a China.
Todas essas medidas só servem para ganhar tempo até que a ajuda chegue. O Japão e as Filipinas acreditam que preservar a autonomia de Taiwan é vital para sua própria segurança. Autoridades americanas têm discutido a formação de comboios para romper qualquer bloqueio.
A China se preocupa com um contra-bloqueio e também estocou suprimentos essenciais. Mas será que Trump interviria? Ele é avesso à guerra, considera os aliados oportunistas e alega que Taiwan “roubou” a indústria de semicondutores dos EUA. Suas ameaças habituais, de tarifas e sanções, perderam força desde que ele iniciou uma guerra comercial. Alguns temem que, em busca de um grande acordo com a China, ele possa fazer concessões quanto ao status de Taiwan.
Consideremos a mudança de tom de Elbridge Colby, subsecretário de política do Pentágono. Ele há muito argumenta que os EUA deveriam reduzir os compromissos na Europa e no Oriente Médio para se concentrarem em conter a China, principalmente garantindo explicitamente a segurança de Taiwan. Agora, ele diz que Taiwan não é uma questão “existencial” para os EUA e sugere que a ilha não pode ser defendida a um custo aceitável. Ele afirma que Taiwan deveria aumentar os gastos com defesa de 2,1% do PIB no ano passado para 10%. O governo prometeu ultrapassar 3% este ano, mas não convenceu o parlamento controlado pela oposição a concordar.
Uma autoridade taiwanesa expressa confiança em resistir à pressão chinesa. “Um bloqueio é um ato de guerra. Responderemos militarmente. Se a China fizer isso, eles podem muito bem nos invadir”, observa. Uma quarentena, ele admite, “nos prejudicará”, mas não o suficiente para forçar a rendição, e teria um custo para a posição internacional da China.
Mas uma pesquisa recente da Brookings Institution, um centro de estudos estratégicos americano, constata que os taiwaneses estão perdendo a confiança nos Estados Unidos, e a maioria acredita que o país não interviria em uma guerra entre China e Taiwan. Qualquer enfraquecimento do compromisso dos Estados Unidos certamente enfraquecerá a própria vontade de Taiwan de resistir. A China está ansiosa para suscitar tais dúvidas, afirmando que, com Trump na Casa Branca, Taiwan será descartada como uma “peça de xadrez fora do tabuleiro”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL