O Superior Tribunal Militar (STM) vai julgar em 2026 se declara indignos ou incompatíveis com o oficialato até 17 réus condenados em 2025 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de participação em uma trama golpista, após a eleição de 2022. São cinco oficiais generais, cinco coronéis, cinco tenentes-coronéis, um major e um capitão, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Capitão reformado do Exército, Bolsonaro recebeu a mais alta condenação de todos: 27 anos e 3 meses de prisão. Ao todo, as penas dos acusados somam 348 anos e 7 meses de prisão.

O plenário do Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília: Corte vai se tornar tribunal de honra para julgar os réus militares condenados pelo Supremo Foto: Odair Amancio/STM
Um 18º condenado não deve nem passar pelo STM, pois deve ter a perda da condição de militar, segundo ministros consultados, como pena acessória. Trata-se, em tese, do subtenente Giancarlo Gomes Rodrigues, condenado no núcleo 3 do processo a 14 anos de prisão. É que a legislação trata de forma diferente os oficiais dos praças. Enquanto os primeiros devem ter seus casos homologados ou não pelo STM, os soldados, cabos, sargentos e subtenentes, quando condenados a mais de 2 anos de prisão, perdem a condição de militar automaticamente, conforme o artigo 102 do Código Penal Militar e a jurisprudência da Corte Militar.
Entre os 17 condenados há ainda um acusado, o coronel Márcio Nunes de Resende Junior, que poderá ser beneficiado por um acordo de não persecução penal, pois foi condenado a 3 anos e cinco meses de prisão. Para tanto, o oficial teria de confessar o crime a fim de receber o benefício e escapar da condenação e da possibilidade de perda do posto e patente.
O julgamento no STM está reservado, portanto, somente aos oficiais. Para tanto, a Corte se transformará em um tribunal de honra. Seus 15 ministros – dez militares e cinco civis – vão decidir se os acusados devem ou não perder o posto e carta-patente, que os define como oficiais das Forças Armadas, e se será declarada a morte ficta de cada um dos réus, fazendo com que suas mulheres ou filhas passem a receber a pensão, caso estejam já na reserva. Para os casos de oficiais da ativa, a pensão é proporcional ao tempo de serviço antes da expulsão da caserna.
Desde 2018, a Corte analisou 97 processos de Conselhos de Justificação e Representações por Indignidade ou Incompatibilidade de oficiais condenados por crimes militares e comuns. Ela concluiu o julgamento de 96 casos e declarou a perda do posto e patente em 84 dos processos (86,5% dos casos). Ou seja, é raro que um caso proposto ao STM termine sem a condenação dos acusados.
A maior parte dos condenados nesse período era de oficiais do Exército (63 acusados). A Marinha registrou 16 casos e a Força Aérea, 16. Entre as patentes mais atingidas, havia 14 coronéis e 10 tenentes-coronéis do Exército, além de cinco capitães da Aeronáutica e cinco capitães-tenentes da Marinha.
Com a chegada dos condenados pelo golpe, a Corte deve registrar um recorde desse tipo de julgamento em 2026. Nos últimos oito anos, os anos com maior números de casos apreciados foram justamente 2024 e 2025, cada um com 17 casos. Além do recorde de casos, 2026 vai registrar também os primeiros processos contra oficiais generais. Desde que a Constituição de 1988 foi promulgada nenhum desses oficiais enfrentou julgamento na Corte.
Cinco oficiais generais serão julgados
No próximo ano, quatro generais do Exército e um almirante passarão pelo tribunal de honra. Entre os ministros do STM ouvidos pela reportagem, há a certeza de que a Corte não será mera homologadora dos acórdãos da 1ª Turma do STF. É que a perda de posto e patente não é pena acessória à condenação do réu oficial. Há casos em que o tribunal pode entender que, apesar da condenação do acusado, o crime cometido ou sua conduta não o torna indigno ou incompatível com o oficialato.

O então presidente da República, Jair Bolsonaro é cumprimentado pelo comandante de Operações Especiais, o general Mário Fernandes, na sede do COpEsp, em Goiânia: ambos correm o risco de perder a patente Foto: Isac Nóbrega/PR
Um ministro citou como exemplo o excesso de legítima defesa, quando o acusado pode matar um assaltante que invadiu a casa do militar, levando o oficial a ser condenado a uma pena maior do que dois anos de prisão. Os ministros ouvidos também foram unânimes em afirmar que as decisões da Corte a respeito da declaração de indignidade ou incompatibilidade com o oficialato não têm nenhuma relação com o mérito do processo que levou à condenação do acusado. O que se julga não é o ato criminoso, mas a honra do oficial.
Assume uma importância grande nesses casos a conduta do oficial e sua relação com os valores militares. Ou como explicou um ministro: uma sentença criminal pode ser revista e um acusado ser declarado inocente, mas a honra dificilmente se restitui. Daí o cuidado que os ministros ouvidos dizem ter ao examinar cada caso. É por isso que entre generais da ativa consultados pela reportagem e ministros do STM existe uma expectativa de que nem todos os réus condenados pelo STF sejam também pelo STM.
Considera-se que os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio de Oliveira estariam entre os acusados que têm a maior chance de manter o posto e a patente. O mesmo se aplicaria ao almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha. Entre os generais que têm maior chance de serem condenados no STM estão Walter Braga Netto, que recebeu a maior condenação depois de Bolsonaro, assim como Mário Fernandes, ambos condenados a 26 anos e 6 meses. Com Fernandes foram encontrados cópias dos planos para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Os 17 oficiais devem ter seus caso casos analisados pelo STM porque foram condenados a mais de 2 anos de prisão. Nesses casos, o procurador-geral militar representa à presidência da Corte pela abertura de ação para verificar a incompatibilidade ou indignidade do oficial. Um dos ministros é sorteado para ser o relator de cada um dos casos – os processos são individuais.
Caso um oficial seja condenado a menos de dois anos de prisão, o procedimento é diferente. Nesses caso, o comandante do Exército deverá analisar a condenação do oficial e decidir se ele deve ser ou não submetido a um Conselho de Justificação. Esse deve ser o caso do coronel Mauro Cid, condenado a 2 anos, e do tenente-coronel Ronaldo Ferreira de Araújo Junior, condenado a 1 ano e 11 meses de prisão. Após a condenação no STF, Cid pediu a passagem para reserva, o que deve acontecer até março de 2026.

O tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid foi condenado a 2 anos pelo STF e pediu sua passagem para reserva; comandante do Exército decidirá se vai abrir ou não Conselho de Justificação Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado
Por enquanto, o comandante do Exército, Tomás Miguel Ribeiro de Paiva, ainda não decidiu se mandará instaurar os conselhos de justificação para os dois oficiais, o que poderia aumentar para 19 o número de casos a serem analisados pelo STM. A decisão de Tomás deve ficar para 2026. Caso decida pela abertura dos conselhos, serão nomeados três oficiais superiores ao réu que vão analisar cada caso. Se o oficial consegue se justificar, o procedimento é arquivado. Do contrário, a decisão do conselho é enviada ao STM, que julgará a perda do posto e da patente.
Foi isso que Bolsonaro enfrentou em 1987, quando o ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves decidiu submetê-lo ao Conselho de Justificação, que, por 3 a 0 considerou o capitão indigno do oficialato por ter mentido para superiores a respeito de um plano para pôr bombas em quartéis no Rio. O resultado do conselho foi enviado ao STM, que decidiu manter o Bolsonaro com seu posto e sua patente de capitão. É possível que ele não tenha a mesma sorte desta vez.


