
A aprovação do Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2026 (PLOA 2026), com a elevação das emendas parlamentares para o patamar de R$ 61 bilhões — um aumento de cerca de 21% em relação a 2025 — representa um grave desvirtuamento do papel constitucional do Orçamento Público, que deveria ser, antes de tudo, o instrumento que organiza como o Estado planeja e executa seus recursos para transformar prioridades em políticas públicas concretas. Mais preocupante ainda foi a votação simbólica, que impediu a identificação clara de posições individuais e subtraiu da sociedade o direito de saber quem concordou com essa ampliação.
Pela Constituição, cabe ao Poder Executivo elaborar e propor o Orçamento, definindo a alocação dos recursos de acordo com as políticas públicas que pretende executar e com os compromissos assumidos com a sociedade. Ao Parlamento compete analisar, debater, aperfeiçoar e fiscalizar essa proposta, inclusive por meio de emendas, mas sem substituir o planejamento governamental nem capturar parcela desproporcional da capacidade de investimento do Estado. Quando esse equilíbrio é rompido, o Orçamento deixa de cumprir sua função estratégica e passa a responder a lógicas fragmentadas, alheias a um projeto nacional de desenvolvimento.
É preciso afirmar com clareza: emendas parlamentares são legítimas. O Parlamento é o espaço adequado para discutir a proposta orçamentária do Poder Executivo, incorporar prioridades regionais e assegurar que políticas públicas dialoguem com as realidades locais. O problema não está na existência das emendas, mas na escala e na forma como passaram a ser utilizadas.
No volume aprovado, as emendas deixam de ser um mecanismo complementar de correção e passam a competir diretamente com a capacidade do Executivo de planejar e executar políticas estruturantes de desenvolvimento nacional. Retiram margem de ação do governo para enfrentar desigualdades regionais, fortalecer políticas sociais de caráter universal e investir em áreas estratégicas como educação, ciência, infraestrutura e saúde.
O Orçamento não é um balcão de distribuição de recursos; é um instrumento de planejamento do Estado. Quando parcelas crescentes do gasto discricionário ficam pré-comprometidas por emendas, o país perde coerência, continuidade e capacidade de indução do desenvolvimento. A fragmentação excessiva dos recursos inviabiliza políticas de médio e longo prazo e compromete resultados sistêmicos — exatamente o oposto do que a população espera de um Estado eficiente e republicano.
Há ainda um segundo problema, igualmente grave: a forma da decisão. A votação simbólica, embora prevista no regimento, não pode se tornar regra em matérias de altíssimo impacto fiscal e político. Nesse caso, ela operou como um verdadeiro sequestro da representação política. Parlamentares deixam de se posicionar publicamente, e a sociedade perde a possibilidade de exercer controle democrático sobre escolhas que afetam diretamente o futuro do país.
Transparência não é um detalhe procedimental; é um princípio democrático. Em temas orçamentários, ela é condição mínima para o debate qualificado e para a responsabilização política. Quando decisões dessa magnitude são tomadas por acordo de lideranças, sem registro nominal de votos, enfraquece-se o Parlamento e deteriora-se a confiança da sociedade nas instituições.
Defender responsabilidade fiscal e social não significa negar o papel do Parlamento, mas reafirmá-lo. O Parlamento fortalece-se quando debate prioridades com transparência, quando subordina interesses particulares a projetos nacionais e quando assume publicamente suas escolhas. O contrário disso — volumes crescentes de emendas aprovados sem debate e sem voto nominal — nos afasta do espírito republicano que deve orientar a gestão do dinheiro público.
O Orçamento de um país é, antes de tudo, um pacto social. Rompê-lo, em nome de conveniências políticas imediatas, cobra um preço alto — e quem paga essa conta, invariavelmente, é a população brasileira.


