As notas divulgadas nesta terça-feira, 23, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e pelo Banco Central para rebater a denúncia de que o ministro e o presidente da autarquia, Gabriel Galípolo, trataram a compra do Banco Master pelo BRB trazem inconsistências e deixam ainda muito por explicar dos episódios. Entre eles está a ausência do encontro confirmado na agenda do presidente do BC e dos demais diretores do Banco, a falta de coincidência de datas com a sanção da Lei Magnitsky, uma alteração no texto enviado por Moraes à imprensa e a diferente forma como os dois lados abordam o tema da conversa do encontro.

Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central, e Alexandre de Moraes, vice presidente do STF Foto: Lula Marques/ Agência Brasil e Wilton Junior/Estadão
As notas foram divulgadas após a colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, revelar que Moraes procurou o presidente do Banco Central,Gabriel Galípolo, para fazer pressão em favor do Banco Master. A colunista diz que ouviu o relato de seis fontes. Além disso, a mulher de Moraes, Viviane Barci, firmou contrato com o Master com remuneração de R$ 3,6 milhões por mês – totalizando R$ 129 milhões se tivesse sido cumprido integralmente – para que o escritório da família trabalhasse na defesa dos interesses da instituição e de Daniel Vorcaro no Banco Central, na Receita Federal e no Congresso Nacional.
Ausência na agenda do presidente do BC
Apesar de tanto o gabinete de Moraes quanto o Banco Central terem confirmado o encontro entre o presidente da autarquia e o ministro do STF, a reunião entre os dois não consta na agenda oficial nem de Gabriel Galípolo nem dos demais integrantes da diretoria do banco. A única referência a Moraes está na agenda em que o presidente do BC participou da posse do ministro como vice-presidente do Supremo e de Edson Fachin como presidente da Corte, em 29 de setembro deste ano.
O procedimento de omitir agendas com autoridades externas ao BC não é usual, mesmo no caso de encontros fechados à imprensa ou fora da autarquia, como em viagens ao exterior e idas ao Congresso ou ao STF. No período entre o anúncio da tentativa de compra do Banco Master pelo BRB até agora, o banco disponibilizou em seu site e também na plataforma e-agendas, do governo federal, detalhadamente, as agendas de seu presidente. A lista de encontros inclui reuniões com deputados, empresários, banqueiros dos mais diversos, incluindo o próprio sócio do Master, Daniel Vorcaro – com quem se encontrou seis vezes no período – e outras autoridades públicas dos demais Poderes, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta.
A reunião também não aparece na agenda de Moraes, que não tem o costume de divulgar todas as suas reuniões públicas.
Procurado para se manifestar sobre a ausência do encontro confirmado com Moraes por nota do próprio BC na agenda pública de Galípolo, a autarquia não se manifestou. O espaço está aberto.
Poucos detalhes nas notas
As notas divulgadas por Moraes e pelo Banco Central são lacônicas, limitando-se a confirmar o encontro e sem detalhar quando aconteceram as conversas ou quantos foram os encontros. Na de Moraes, há a informação de que foi o ministro quem recebeu Galípolo para conversar sobre o assunto. Além disso, ele se refere a “todas as reuniões”, indicando que eles se encontraram mais de uma vez para tratar do assunto. A do BC, ainda mais curta, apenas confirma a existência de “reuniões” entre os dois, sem explicar quando ou onde elas teriam acontecido.
Datas não coincidem com a da Lei Magnitsky
Ao não tratar das datas da reunião, as notas também deixam em aberto a questão da falta de coincidência das supostas datas dos encontros com a sanção da Lei Magnitsky. O relato da jornalista Malu Gaspar é o de que Moraes teria feito três ligações para saber do andamento da operação da venda do Master pelo BRB e, em julho, pediu que o presidente do Banco Central fosse ao seu encontro. Ocorre que o anúncio do governo americano de que Alexandre de Moraes estava enquadrado na Lei se deu apenas no dia 30 de julho de 2025. Naquele dia, Galípolo participou, pela manhã e à tarde, da primeira e da segunda sessões da reunião do Copom na sede do Banco Central. No dia seguinte, o dia 31, sua agenda apontou despachos internos pela manhã e uma reunião com o presidente do Coaf, Ricardo Andrade Saadi, e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues.
Diferença na abordagem sobre o assunto tratado
Há uma diferença sutil na forma como as duas notas tratam do assunto discutido nas reuniões entre os dois. Na de Moraes, há a afirmação de que “foram tratados exclusivamente assuntos específicos sobre as graves consequências da aplicação da referida lei”. Já na do Banco Central, embora haja o apontamento de que esse foi o assunto tratado, não há nenhuma informação de que os dois teriam falado apenas disso.
Moraes alterou nota em três minutos para substituir banco
Ao divulgar seu comunicado à imprensa nesta terça-feira, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes enviou duas notas diferentes, com intervalo de 3 minutos. Às 9h27min, o texto divulgado elencava, ao tratar de uma reunião conjunta com os presidentes da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, a presença também da Febraban, do BTG e dos vice-presidentes do Bradesco e do Itaú. Na segunda versão da nota, divulgada às 9h30min, o Santander foi substituído pelo Bradesco.
A nota de Moraes também cita encontros com a presidente do Banco do Brasil (BB), o prresidente e o vice-presidente jurídico do Banco Itaú, além de Galípolo. Consultado, o BB confirmou a realização da reunião entre Tarciana Medeiros e Moraes. O Bradesco disse que não comentaria o tema. A Febraban, por sua vez, informou que “teve reuniões com autoridades, incluindo o ministro Alexandre de Moraes, do STF, para tratar dos efeitos da Lei Magnitsky, considerando que a sua aplicação trouxe impactos diretos no setor bancário e obrigações inéditas para instituições financeiras que mantinham relacionamento com pessoas sancionadas”. Já BTG, Itaú Unibanco e Santander não responderam.
Veja a íntegra das notas de Moraes e do Banco Central sobre o caso
Nota de Moraes, às 9h27min:
“O Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, em virtude da aplicação da Lei Magnistiky, recebeu para reuniões o presidente do Banco Central, a presidente do Banco do Brasil, o Presidente e o vice-presidente Jurídico do Banco Itaú. Além disso, participou de reunião conjunta com os Presidentes da Confederação Nacional das Instituições Financeira, da Febraban, do BTG e os vice-presidentes do Bradesco e Itaú. Em todas as reuniões, foram tratados exclusivamente assuntos específicos sobre as graves consequências da aplicação da referida lei, em especial a possibilidade de manutenção de movimentação bancária, contas correntes, cartões de crédito e débito.”
Nota de Moraes às 9h30min:
“O Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, em virtude da aplicação da Lei Magnistiky, recebeu para reuniões o presidente do Banco Central, a presidente do Banco do Brasil, o Presidente e o vice-presidente Jurídico do Banco Itaú. Além disso, participou de reunião conjunta com os Presidentes da Confederação Nacional das Instituições Financeira, da Febraban, do BTG e os vice-presidentes do Santander e Itaú. Em todas as reuniões, foram tratados exclusivamente assuntos específicos sobre as graves consequências da aplicação da referida lei, em especial a possibilidade de manutenção de movimentação bancária, contas correntes, cartões de crédito e débito.”
Nota do Banco Central:
“O Banco Central confirma que manteve reuniões com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, para tratar dos efeitos da aplicação da Lei Magnitsky.”
(Colaborou Adriana Victorino)


