
Há pessoas que ficam na fila que distribui vaidades, obtêm-nas e voltam para o fim da fila, esperando colhê-las ainda mais. Essa característica existe em todos os ambientes, todas as profissões, mas em algumas são mais evidentes. Os intelectuais, os acadêmicos, os que disputam “um lugar ao sol” da mídia, ainda que por breves instantes.
Já tenho referido as Academias como “quarenta egos” em busca de aplauso e sequer me excluo. As gloríolas nos atraem. Nos seduzem. E parece que isso não é recente.
A proveitosa leitura do “Diário Secreto” de Humberto de Campos confirma essa impressão que poderia ser leviana. Ele fala muito da vaidade alheia. Sempre que pode, colocando na boca de outrem o comentário amargo. Como no episódio em que atribui a Macedo Soares (José Eduardo de Macedo Soares (1882-1967), conhecido como “O Príncipe dos Jornalistas Brasileiros e pai de Lota Macedo Soares) falar sobre Goulart de Andrade (José Maria Goulart de Andrade – 1881-1936).
Macedo Soares teria dito: – Coitado do Goulart! Está doente de vaidade! No dia da manifestação popular ao Rui (Barbosa) (1849-1923), ele se aproximou de mim, e, sério, apontando-me a multidão, me segredou: – “Estás vendo? Tudo isso quem preparou fui eu e ele deve-me a mim…”.
Só que Humberto de Campos não recusa encômios. Ao contrário, registra-os e faz questão de realçar. Como ao descrever um incidente dele com Jackson de Figueiredo (Jackson de Figueiredo Martins – 1891-1928), em virtude de um artigo escrito por Humberto sobre Farias Brito (Raimundo de Farias Brito-1862-1917) e publicado exatamente no dia em este faleceu.
Jackson de Figueiredo era concunhado e discípulo de Farias Brito e ficou muito ressentido. Rompeu relações com Humberto de Campos.
Sabendo disso, ambos evitaram se encontrar, para não ter de enfrentar o constrangimento de não se dar as mãos, nem sequer se cumprimentar com gesto mínimo, como acontece em tais ocasiões.
Humberto de Campos alegava desconhecer que Farias Brito se encontrava gravemente enfermo. De qualquer forma, não costumava dar explicações de seus atos, senão à sua consciência.
Ficou surpreso, portanto, ao ler na Revista “Brasilea”, um longo artigo de Jackson, sobre Felix Pacheco (José Felix Alves Pacheco – 1879-1935), com várias referências ao seu nome. Em uma delas, menciona o malfadado artigo contra Farias Brito, que Jackson considera “uma volúpia de grego da decadência”. Mas, no mesmo texto, ele julga Humberto como “um dos talentos mais brilhantes da nossa mocidade”. Não bastasse, coloca-o em primeiro lugar entre os poetas daquela geração. Mais talentoso e mais importante do que os poetas então considerados “a nata” entre os brasileiros: Hermes Fontes ( Hermes Floro Bartolomeu de Araújo Fontes – 1888-1930), Da Costa e Silva (Antônio Francisco da Costa e Silva – 1885-1950), Teófilo de Albuquerque (Teófilo Rodrigues de Albuquerque – 1885-1924) e Gilka Machado (Gilka da Costa de Melo Machado – 1893-1980).
Humberto de Campos se delicia com essa postura de Jackson de Figueiredo, que teria tudo para desprezá-lo ou ignorá-lo, mas não se recusa a considerar sua simplicidade “como expressão da perfeição”. E Jackson arremata com “Nesse sentido, é Humberto de Campos a personalidade que mais fortemente se afirma no momento atual”.
Lisonjeado, mas muito feliz, ele conclui: “De um amigo, seria muito; de um inimigo é, evidentemente, demais…”.
Personalidade complexa a de Humberto de Campos. Hipocondríaco, extremamente severo em relação às pessoas com as quais convive – ou é obrigado a conviver – assume-se um intelectual pérfido. Em suas palavras: “Há, em mim, a volúpia da perfídia. Não é, propriamente, volúpia, pois que isso às vezes me desagrada a mim mesmo. A perfídia tornou-se em mim uma função, ou antes, um produto mecânico. Eu louvo, ou ataco, de tal forma, que o indivíduo alvejado não sabe se me há de mandar um agradecimento ou um tiro. O que eu escrevo tem matéria para todas as interpretações. Ainda agora, a propósito de um artigo sobre Olegário Mariano (Olegário Mariano Carneiro da Cunha – 1889-1958), este se manifesta lisonjeado, ao mesmo tempo que os seus amigos se manifestam indignados comigo.
Talento? Sim. Inegável. Mas também vaidade. “Vanitas vanitatum et omnia vanitas”: “vaidade das vaidades, tudo é vaidade”. Presente no Eclesiastes, para lembrar que somos finitos e temos curta permanência na Terra. De todos os citados, o que restou, senão pálida memória? Todos os que os seguiram, todos os que ainda virão, terão o mesmo destino.


