Plano de pôr freio no comportamento dos ministros isola Fachin no STF
Presidente da Corte tem pouca adesão dos colegas à proposta de criar um código de conduta para os ministros. Crédito: TV Estadão
Uma iniciativa que reúne assinaturas de empresários, acadêmicos, ex-autoridades e integrantes da sociedade civil defende a adoção de um código de ética para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O movimento, criado em 16 de dezembro, surge em apoio à posição defendida pelo presidente da Corte, Edson Fachin, que tem se manifestado publicamente a favor da formalização de regras de condutas aplicáveis aos integrantes do tribunal.
O manifesto é acompanhado por um abaixo-assinado online, que já reúne mais de 8 mil assinaturas. No documento, os signatários afirmam que a integridade e a imparcialidade são pilares indispensáveis de qualquer sistema de Justiça e sustentam que, apesar do papel central do STF na defesa do Estado de Direito, o tribunal ainda carece de regras claras e públicas sobre os limites éticos que devem orientar a atuação de seus ministros.
Plenário do Supremo Tribunal Federal, em Brasília Foto: Wilton Júnior/Estadão
Um dos signatários da iniciativa é o ex-ministro da Fazenda no governo José Sarney e sócio da Tendências Consultoria, Maílson da Nóbrega. Para ele, os ministros do Supremo, por integrarem um dos principais Poderes da República, precisam dar o exemplo.
Na avaliação de Nóbrega, a adoção de regras formais de conduta, nos moldes do que ocorre em outras Cortes constitucionais, como as da França e do Reino Unido, é uma medida necessária para preservar a credibilidade institucional do tribunal. “À mulher de César não basta ser honesta; é preciso parecer honesta. Veja como é o código na Alemanha”
Como mostrou o Estadão, Fachin pretende criar um código de ética para magistrados de tribunais superiores, incluindo o Supremo, inspirado no conjunto de regras adotado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha.
A proposta prevê, entre outros pontos, limites mais claros à participação de ministros em eventos, ao recebimento de cachês por palestras e outras formas de autocontenção voltadas a preservar a imagem institucional da Corte.
O manifesto também menciona o que classifica como a recorrência de episódios incompatíveis com a postura de sobriedade e independência esperada de magistrados da mais alta Corte do País, alertando para o risco de desgaste da confiança pública e da legitimidade institucional do Judiciário. Esse diagnóstico é compartilhado por apoiadores do manifesto, que apontam exemplos concretos para sustentar a crítica.
Um deles é o ex-diretor do Banco Central e investidor Luiz Fernando Figueiredo, que afirma haver hoje situações que configurariam conflitos graves de interesse no Supremo, como casos em que parentes de ministros atuam em processos julgados pela própria Corte.
Para ele, esse conjunto de práticas evidencia a necessidade de padrões de decoro e ética mais rigorosos do que os atualmente observados. “Se os ministros não são capazes de manter um mínimo de ética, é preciso criar regras claras. É muito grave viajar em avião de pessoas com quem se pode ter conflito ou estar julgando alguma causa.”
Um dos episódios citados por Figueiredo como exemplo desse tipo de situação envolve o ministro do STF Dias Toffoli. Em novembro, ele viajou a Lima, no Peru, durante a final da Taça Libertadores, em um jato particular, ao lado de um dos advogados ligados ao caso do Banco Master. Toffoli é relator da investigação que apura suspeitas de fraudes financeiras envolvendo a instituição.
No âmbito desse processo, o ministro decretou sigilo sobre os autos e também impediu o acesso da CPI do INSS ao material obtido com a quebra de sigilos bancário e fiscal no caso.
Em outro episódio relacionado ao mesmo banco, a esposa do ministro Alexandre de Moraes, Viviane de Moraes, firmou um contrato de R$ 129 milhões entre o escritório de advocacia do qual é sócia e o Banco Master. Segundo reportagem do jornal O Globo, a banca da família Moraes representaria o banco “onde fosse necessário”.
Para a economista e sócia da Pinotti & Schwartsman Associados, Cristina Pinotti, episódios como esses ajudam a explicar por que o manifesto não se limita a um caso específico. Segundo ela, o documento surge como resposta a um processo que descreve como um esfarelamento institucional progressivo, observado nos últimos anos, que tem afetado diferentes pilares da democracia e gerado preocupação também entre setores ligados ao desenvolvimento econômico do País.
Nesse contexto, Pinotti avalia que o Supremo passou a enfrentar um processo de perda de credibilidade e legitimidade, associado tanto a indicações com viés político quanto à sucessão de episódios envolvendo comportamentos considerados inadequados e conflitos de interesse explícitos. Para a economista, esse conjunto de fatores representa um risco institucional mais amplo. “É algo que de fato coloca em risco a democracia.”
A percepção de desgaste também é compartilhada por outros signatários. Para o sócio-fundador da DZ Negócios com Energia, David Zylbersztajn, o Supremo e seus ministros devem ser tratados com respeito, mas há hoje um sentimento difuso de insatisfação na sociedade em relação à atuação da Corte, alimentado por esses episódios. Na avaliação dele, esse distanciamento reforça a necessidade de parâmetros mais claros de conduta. “Já passou da hora de ter regras explícitas.”
Resistências internas
Internamente, porém, a proposta enfrenta resistência dentro da Corte. Para tentar contornar esse cenário, Fachin tem conversado individualmente com ministros sobre a iniciativa.
Para críticos desse movimento interno, a resistência reforça a necessidade de pressão externa por parte da sociedade civil. O cientista político e ex-candidato à Presidência da República Felipe d’Avila avalia que a adoção de parâmetros mais claros só tende a avançar diante de mobilização pública. “É preciso haver pressão para mudar.” Na mesma linha, o ex-diretor do Banco Central (BC) Sérgio Werlang também manifesta apoio ao manifesto.
Mesmo diante da resistência interna, Fachin tem reiterado publicamente a defesa da proposta. Nesta sexta-feira, 19, no discurso de encerramento do ano Judiciário, o presidente do STF afirmou que os magistrados têm o dever de exercer suas atribuições “com rigor técnico, sobriedade e consciência histórica”.

Mesmo diante da resistência interna, Edson Fachin tem reiterado publicamente a defesa da adoção de um código de conduta no STF Foto: WILTON JUNIOR
“Não poderia, nessa direção, deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de debatermos um conjunto de diretrizes éticas para a magistratura”, afirmou.
A reportagem conversou com diversos signatários do documento que preferiram não dar entrevistas para reforçar um aspecto fundamental e defendidos por todos que aderiram ao manifesto: o caráter coletivo da ação.
Além do site, em que é possível ler o manifesto e aderir ao abaixo-assinado, o movimento criou uma página nas redes sociais intitulada “Código de Conduta STF”.
Leia a íntegra do manifesto:
“A integridade e a imparcialidade são pilares fundamentais para qualquer sistema judiciário eficaz. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) desempenha um papel crucial na manutenção da justiça e do estado de direito. No entanto, apesar da importância deste órgão, um aspecto vital ainda precisa de atenção urgente – a implementação de um Código de Conduta para seus ministros.
As notícias recorrentes e cada vez mais graves sobre práticas incompatíveis com a postura de independência, sobriedade e imparcialidade que se espera da Justiça, nos levam a receber com sincero alento a iniciativa do Presidente do Supremo Tribunal Federal de propor a adoção de um Código de Conduta para a Corte.
O Judiciário brasileiro, Poder que deve representar o exemplo mais elevado de ética, conduta e valores democráticos, hoje revela fragilidades que corroem a grandeza de sua missão institucional. A cada denúncia de comportamentos inaceitáveis e conflitos explícitos de interesse corporativos, aumentam a perplexidade e os riscos de perda de confiança e legitimidade.
A transparência sobre os limites éticos que devem orientar magistrados é condição indispensável para preservar a autoridade moral e a credibilidade institucional do Judiciário. Tal iniciativa reforça esses parâmetros e representa um passo significativo para fortalecer a confiança da sociedade e dar exemplo às demais cortes.
Manifestamos, portanto, nosso apoio integral ao esforço de adoção de um Código de Conduta, uma medida compatível com a prática de países desenvolvidos ao redor do mundo. Um passo oportuno, salutar e urgente para resgatar a imagem de excelência que deve caracterizar o Supremo Tribunal Federal e orientar o serviço da Justiça em todo o País.”


