A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou nesta terça-feira (17/6) que o caso da enfermeira Maria do Socorro Sombra, que alega ter ganho R$ 1,8 bilhão ao apostar na bet Lottoland, deve ser julgado no Brasil, e não em Gibraltar. A decisão, tomada por unanimidade, mantém o que já havia sido definido em instâncias anteriores.
No voto, o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira defendeu que a mudança de foro dificultaria o acesso da mulher, moradora de Quixeré (CE), à Justiça. Assim, negou o recurso da bet. A coluna, que revelou o caso, obteve a íntegra do documento e do processo.
“A exigência de que a autora litigue em Gibraltar imporia ônus manifestamente desproporcional, haja vista as significativas barreiras linguísticas, as substanciais diferenças procedimentais, os custos exorbitantes e a considerável distância geográfica. Tal imposição configuraria verdadeira denegação de seu direito fundamental de acesso à Justiça, comprometendo a efetividade do sistema protetivo do consumidor”, escreveu o relator.
Maria do Socorro acionou a Justiça contra a bet depois de ter sido bloqueada da plataforma ao supostamente acertar, em outubro de 2020, os números do Powerball, jogo de loteria dos Estados Unidos, o que lhe renderia um prêmio de R$ 1,8 bilhão. Também solicitou o comprovante do jogo.
O ponto central em questão passava por decidir se o processo poderia ser julgado no Brasil – o que foi acatado pelo STJ – ou apenas em Gibraltar, território ultramarino britânico na costa sul da Espanha e onde fica a sede da empresa. A 2ª Vara Cível da Comarca de Limoeiro do Norte (CE) e o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) já haviam concedido decisões favoráveis à enfermeira ao se definirem aptos para o julgamento.
Foi o juízo de 1º grau que definiu o valor da causa em 1,8 bilhão, contrariado pela Lottoland, mas mantido na instância seguinte. O motivo foi que esse seria o valor alegado do prêmio.
Maria do Socorro diz ter certeza que ganhou o prêmio da bet porque anotou os números em uma agenda.
Inconformada, a bet recorreu após essas duas decisões – também cabe recurso ao STJ. Além disso, o caso corre no Supremo tribunal Federal (STF).
Na visão dela, o foro de Gibraltar seria o correto para bater o martelo, conforme as regras das apostas, e que o prêmio seria pago pelo território. Mas perdeu: a Justiça considerou que o site é voltado ao público do Brasil e que, como o jogo ocorreu em território nacional, deveria ser pago no país.
Os magistrados também entenderam em 1º e em 2º grau que a mudança de local dificultaria o acesso da enfermeira à Justiça, sendo uma barreira para reivindicar o possível direito sobre o prêmio bilionário. Também avaliaram que a cláusula sobre a escolha do foro da bet seria abusiva.
“Dessa forma, afastar a cláusula de eleição de foro estrangeiro não significa negar validade à autonomia privada nos contratos internacionais, mas sim reconhecer que, em contratos de adesão que configuram relações de consumo, a tutela da parte vulnerável e a garantia do acesso à Justiça devem prevalecer, especialmente quando a aplicação literal da cláusula resultaria, na prática, em inviabilidade de defesa dos direitos do consumidor”, continuou o ministro, no voto.
Informações do Ministério da Fazenda dão conta de que a Lottoland é legalizada no Brasil. A empresa contestou no processo o fato de que Maria do Socorro teria vencido o jogo ao afirmar que não houve ganhador na ocasião. O valor do prêmio oferecido pela bet também seria menor: R$ 244,3 milhões (5 acertos + Powerball) ou R$ 11,3 milhões (5 acertos).
da coluna Tácio Lorran – Metrópole