Com as mudanças propostas pelo governo, se aprovadas, o salário mínimo passaria a ter um aumento real, acima da inflação, com base no PIB de dois anos. Mas limitado a 2,5% ao ano.
Com isso, seria dada a inflação do ano anterior, em 12 meses até novembro, acrescido do PIB de dois anos antes — mas com um teto de 2,5% (mesmo que o PIB de dois anos antes tenha crescido mais do que isso).
Esses 2,5% são, justamente, o limite máximo para os gastos do governo dentro do arcabouço fiscal, a regra para as contas públicas aprovada em 2023.
Levando em conta as mudanças, o trabalhador, assim como os aposentados e as pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), de natureza assistencial, deixarão de receber R$ 6 no salário do mês e também no décimo terceiro (quem tem direito), em 2025.
Com a nova proposta para o salário mínimo, o governo deixará de pagar em aposentadorias e benefícios sociais cerca de R$ 2 bilhões em 2025. Isso porque, de acordo com cálculos do governo, a cada R$ 1 de aumento do salário mínimo cria-se uma despesa de aproximadamente R$ 392 milhões.
De acordo com nota técnica divulgada em dezembro do ano passado, e atualizada em janeiro de 2024 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo serve de referência para 59,3 milhões de pessoas no Brasil.
Isenção no IR para quem ganha até R$ 5 mil
Entre as propostas do pacote, está o aumento do limite de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas dos atuais R$ 2.824 (dois salários mínimos) para até R$ 5 mil.
Promessa de campanha de Lula, o tema não constou na proposta de orçamento de 2025, encaminhada no fim de agosto ao Congresso Nacional pela área econômica.
O tributo é recolhido na fonte, ou seja, descontado do salário. Posteriormente, o contribuinte pode ter parte do valor restituído, ou pagar mais IR, por meio de sua declaração anual de ajuste.
De acordo com a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional), a ampliação da faixa de isenção do IR custaria de R$ 45 bilhões a R$ 50 bilhões por ano.
De acordo com os números da entidade, a ampliação do limite de isenção do IR deixará isentos da cobrança do imposto 30 milhões de contribuintes.
Atualmente, cerca de 43 milhões de pessoas físicas declaram o Imposto de Renda. Entretanto, destas, 14,6 milhões já são isentos. Com a mudança, outros 16 milhões de contribuintes também não pagarão Imposto de Renda.
De olho do impacto das medidas nas contas públicas, o mercado financeiro reagiu de forma negativa nesta quarta.
A explicação é que a confirmação do aumento da faixa da isenção do IR pegou o mercado no contrapé, em um momento no qual analistas aguardavam a conclusão do pacote de cortes de gastos.
Taxação de ricos
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estimou o impacto da isenção de até R$ 5 mil em R$ 35 bilhões por ano.
Mas acrescentou que o valor será integralmente compensado pela tributação dos mais ricos, ou seja, com impacto nulo nas contas públicas.
A proposta do governo é de instituir uma alíquota de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o equivalente a R$ 600 mil por ano.
Além disso, quer limitar as isenções na área de saúde no IR para quem recebe até R$ 20 mil por mês.
“Se eu [que recebo mais de R$ 50 mil por mês, ou R$ 600 mil por ano] paguei R$ 35 mil de IR. Vou ter que recolher R$ 25 mil para completar R$ 60 mil [equivalentes à alíquota de 10%]. Suponha que ela ganhe R$ 600 mil e pagou R$ 80 mil de IR, ela não é atingida pela medida. É um conceito novo de IR mínimo considerando toda renda da pessoa, e tudo o que pagou de IR naquele exercício”, explicou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Aposentadoria de militares
O texto fechado contempla os seguintes principais pontos:
Segundo informações da proposta de orçamento de 2025, enviada pelo governo ao Congresso Nacional em agosto deste ano, o déficit projetado para a inatividade militar soma R$ 33,28 bilhões em 2025 e R$ 34,87 bilhões em 2026.
Além disso, também está previsto, no projeto de orçamento do ano que vem, o déficit para as pensões de militares de R$ 18,05 bilhões, em 2025, e R$ 19,39 bilhões em 2026.
Não foram anunciados bloqueios, ou cortes, no orçamento do Ministério da Defesa, que é o quinto maior, em termos de valores, para o ano de 2025.
Outra medida proposta é reduzir o número de pessoas que têm direito ao abono salarial.
Pelas regras atuais, têm direito por ano trabalhadores que recebem, em média, até dois salários mínimos mensais (R$ 2.824, pelo valor atual).
Com as mudanças, o benefício será pago somente a quem recebe até R$ 2.640.
Esse valor será corrigido anualmente pela inflação, até chegar a 1,5 salário mínimo, quando passará a ficar estável neste valor. A expectativa é que isso ocorra em 2035.
Para receber, é preciso que o trabalhador:
O benefício é classificado como um gasto obrigatório – ou seja, que só pode ser alterado ou extinto mediante Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Projetos desse tipo têm uma tramitação mais extensa e precisam de mais votos de deputados e senadores para serem aprovados.
O governo federal estimou, no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, que 25,8 milhões de trabalhadores terão direito a receber o abono salarial no próximo ano.
Outra proposta do governo é o endurecimento das regras para as pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Para o BPC, o governo está propondo focalizar em pessoas incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Passam a contar para o acesso:
Será obrigatória a atualização obrigatória para cadastros desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios concedidos administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID)
Pelas regras, o BPC equivale a um salário mínimo por mês ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos, ou à pessoa com deficiência de qualquer idade.
Para ter direito ao benefício, não é preciso ter contribuído para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) Diferente dos benefícios previdenciários, o BPC não paga 13º salário e não deixa pensão por morte.
No caso da pessoa com deficiência, tem direito ao BPC se houver impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (com efeitos por pelo menos dois anos), que a impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Também haverá um controle maior sobre o Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo federal.
“Estamos reforçando a fiscalização para garantir que essa versão mais robusta do programa, inaugurada em 2023, efetivamente chegue em quem mais precisa”, informou o governo.
Supersalários de servidores
A equipe econômica também quer regulamentar a lei que coíbe “supersalários” de servidores públicos do Executivo, Legislativo e Judiciário, ou seja, impedir o pagamento de valores que que extrapolam o teto do funcionalismo. O valor máximo hoje é de R$ 44.008,52 mensais.
Em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que regulamenta o fim dos chamados “supersalários”. O texto retornou ao Senado, onde aguarda definição.
A proposta em discussão no Congresso define quais pagamentos poderão extrapolar o teto do funcionalismo. Entre eles, os auxílios para moradia, alimentação e transporte.
O governo informou que, pela proposta, o valor global das emendas parlamentares não poderá crescer mais do que 2,5% acima da inflação (limite do arcabouço fiscal).
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esse é apenas o cumprimento do acordo firmado entre o governo, Legislativo e pelo Supremo Tribunal Federal.
Pelas regras, 50% das emendas das comissões passarão a ir obrigatoriamente para a saúde pública.
E haverá bloqueio de emendas proporcionalmente aos bloqueios do Poder Executivo, limitado a 15% do total das emendas (R$ 7,5 bilhões em 2025)
Impacto nas contas públicas
A expectativa da área econômica é de que as medidas propostas, se aprovadas pelo Legislativo, resultarão na economia de R$ 72 bilhões em 2025 e 2026.
E que, entre 2025 e 2030, ou seja, em cinco anos, a economia de gastos seja de R$ 327 bilhões.
Risco de paralisia da máquina pública
O governo busca conter gastos obrigatórios, por meio de propostas de mudanças de leis, que ainda tem de ser avaliados pelo Congresso Nacional, para tentar manter operante o arcabouço fiscal, a norma para as contas públicas.
A regra geral do arcabouço prevê que o aumento de algumas despesas do governo esteja atrelado ao crescimento das receitas. Além disso, a alta das despesas não pode ser maior do que 2,5% por ano acima da inflação.
Entretanto, alguns gastos têm regras específicas (distintas das do arcabouço) e, por isso, têm apresentado crescimento anual acima dos 2,5% limite para as despesas totais do governo. São eles:
A lógica é que, sem o corte de gastos, o espaço para as despesas livres dos ministérios, conhecidos como “gastos discricionários”, terminará nos próximos anos.
🔎Entre esses gastos livres, há políticas públicas importantes, como bolsas de estudo, fiscalização ambiental e do trabalho, assim como o farmácia popular.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já admitiu que, no ritmo atual, gastos livres dos ministérios tendem a sumir: ‘Vamos ter de fazer um debate sobre isso’
Por essa lógica, não adianta elevar a arrecadação, como vem fazendo a equipe econômica, para equilibrar as contas. É obrigatório, necessariamente, cortar gastos obrigatórios.
O próprio Banco Central cita o aumento de gastos em seus comunicados, explicando que isso também pressiona a inflação.
Segundo a instituição, a “percepção mais recente dos agentes de mercado sobre o crescimento dos gastos públicos e a sustentabilidade do arcabouço fiscal vigente, junto com outros fatores, vem tendo impactos relevantes sobre os preços de ativos [dólar, juros futuros e bolsa de valores] e as expectativas [de inflação]”.
Do G1