Uma proposta de emenda à Constituição encabeçada pela deputada Erika Hilton visa alterar o regime de trabalho atual no Brasil, eliminando a escala 6×1 – em que o trabalhador atua seis dias e descansa um. A proposta sugere um limite de jornada semanal de 36 horas, e mantém o limite de 8 horas diárias. Além disso, propõe a possibilidade de quatro dias de trabalho semanais.

Leia a íntegra da proposta.
Hilton defende que a mudança seja feita sem redução salarial, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e aumentar a produtividade. Segundo a autora, o objetivo é alinhar o Brasil com uma tendência global de jornadas reduzidas, já testadas em países como Reino Unido, Espanha e Alemanha.

Atualmente, a proposta está em fase de coleta de assinaturas, e precisa alcançar o mínimo de 171 concordâncias dos deputados para ser analisada nas Casas Legislativas.

Mas, afinal, a proposta é viável para o Brasil? Sobre o tema, ouvimos especialistas do Direito do Trabalho.

PEC quer redução de carga semanal de trabalho para 36 horas semanais.(Imagem: Freepik)
Debate importante

Em sua análise, o advogado Trabalhista Antonio Galvão Peres (Robortella e Peres Advogados) considerou a PEC audaciosa, e até ingênua. Mas, para ele, traz à tona debate relevante.

“Dependendo da lupa utilizada, podemos dizer que a PEC é ‘ingênua’ ou ‘audaciosa’. Em qualquer dos casos, tem o mérito de trazer um tema importante para o debate. Há ingenuidade quando se percebe a tentativa de justificá-la a partir da experiência de outros países, como o Reino Unido. Não há como comparar realidades tão díspares.”

Antonio Peres explica que a produtividade de um país é calculada dividindo o PIB pelas horas trabalhadas no ano, e que o Brasil tem um dos piores índices do mundo. “A redução das horas de trabalho pode agravar nossos problemas com a competitividade externa.”

Outro ponto é o fato de a CF prever limites gerais, não impedindo que outros sejam objeto de negociação coletiva. Para o especialista, nos setores em que se afigure vantajosa a redução, isso já poderia ser feito sem modificação constitucional.

Por outro lado, se o novo limite é inserido na Constituição, Peres acredita que surgirá o debate sobre a possibilidade de negociar outros mais amplos. “Tal imposição reduz a importância da negociação coletiva.”

Por fim, a regra valeria apenas para os empregados. O advogado aponta que, muito mais urgente do que mudanças constitucionais voltadas aos empregados, é estender parte da proteção a não-empregados, como “parassubordinados”, “autônomos economicamente dependentes” e outras figuras já regulamentadas em outros países.

“Na prática, a proposta pode aumentar a distância entre os ‘com proteção’ e os ‘sem proteção’ e, pior que isso, em razão dos custos, empurrar mais trabalhadores para a informalidade.”

O lado audacioso, na visão do especialista, é o fato de a proposta estar à frente de seu tempo. “Tomara que superemos os problemas de competitividade e informalidade para que possamos avançar com segurança nesse debate.”

O advogado Otavio Pinto e Silva (SiqueiraCastro) observa que o objetivo da proposta é trazer para o Brasil um debate sobre a redução da jornada de trabalho semanal sem redução de salários, prática já adotada em outros países.

Ele destaca que a atual Constituição já permite uma redução da jornada via negociação coletiva, a depender de tratativas das empresas com os sindicatos. “Como essa redução não se materializou na prática, a ideia é colocar no texto da Constituição um novo limite semanal (reduzindo de 44 para 36 horas semanais).”

“Isso abriria mais tempo livre para os trabalhadores, mas prevejo que haverá resistência por parte das empresas, que não devem concordar com a generalidade, preferindo que seja mantido o sistema atual, com negociação caso a caso, conforme a atividade econômica do empregador e a atividade profissional dos empregados.”

Proposta inviável

Ao analisar a proposta, a advogada Trabalhista Maria Lucia Benhame (Benhame Sociedade de Advogados) pontuou, inicialmente, que 8 horas em 4 dias gera uma jornada de 32 horas semanais – e não de 36, como proposto. Neste caso, ou se trabalharia 4 dias e meio, ou mais de 8 horas diárias.

A advogada também destacou que há uma PEC nos mesmos moldes (PEC 148/15), mas que propõe uma redução gradual, em tramitação no Congresso. “A PEC anterior já passou pela CCJ, e está tramitando sem o alarde das redes sociais. Portanto, a análise é da mesma situação que pode ser mais real.”

Ainda segundo análise da advogada, a justificativa da proposta segundo a qual a adoção da redução da jornada de trabalho sem redução dos salários impulsionaria a economia brasileira e a redução de desigualdades “é uma conta de padeiro, que não é real”.

“Redução de hora de trabalho não gera aumento de qualidade de vida por si só. Melhoria de condições de trabalho, investimento em tecnologia, em educação do trabalhador para que ele seja mais produtivo e consequentemente trabalhe menos horas, são alguns elementos para que essa qualidade seja alcançada.”

Para Benhame, “se o intuito é gerar novos postos de trabalho, a ideia não é boa”.

“Nenhuma redução de jornada gera empregos por si só. Em 1986, a jornada no Brasil era de 48 horas semanais e a taxa de desemprego por volta de 3,0%, em 1988 a taxa de desemprego era de um pouco mais de 4% e em 1989, um pouco menos de 4%. Se a redução de jornada gerasse empregos, em novembro de 1988 a redução da taxa de desemprego deveria ser visível, pois mais 10% de trabalhadores seriam necessários, se você usasse esse raciocínio simplistas de ‘reduzir jornada = gerar novos postos de trabalho’.

Em países que reduziram a jornada para 4 dias na semana, a redução foi considerada um sucesso quando não houve perda de produtividade. Ou seja, o trabalhador ficou mais focado, e produtivo, e fez o mesmo que fazia em 5 dias em 4. Portanto, nenhum posto de trabalho nasceu daí.”

 A advogada afirma que quase 80% dos postos de trabalho no Brasil são gerados por micro e pequenas empresas, que não vão ter como aumentar um trabalhador na folha de pagamento. “A conta não fecha.”

“Não entendo ser viável no Brasil, em que você soma empresas com baixa possibilidade de investimento em tecnologia, com um trabalhador é bem pouco produtivo. A produtividade no Brasil caiu 4,5% apenas em 2022. Segundo pesquisa da FGV, nos últimos 40 anos a taxa média de crescimento da produtividade do trabalhador brasileiro foi de 0,6% ao ano, uma das mais baixas do mundo.”

No Jornal da USP, apontou a especialista, o prof. Paulo Feldman vê como uma das fontes dessa baixa produtividade, dentre outros fatores, a baixa qualidade da educação básica.

“É uma questão cultural sem dúvida nenhuma. À medida que o ensino fundamental é fragilizado, o comportamento ao longo da vida também será. Isso contribui para dispersão, baixo senso de responsabilidade.”

Maria Lucia Benhame não vê como a proposta pode ser positiva para o trabalhador, e acredita que o assunto não deveria ser tratado por lei no Brasil, muito menos por uma PEC drástica.

“Não vejo como uma redução de quase 20% na jornada com manutenção de salário será benéfica em um momento de alta de inflação e baixa atividade econômica. Não é lei que gera emprego, é economia andando bem, e a reforma trabalhista mostra isso.”

Ao contrário, a advogada entende que nas micro e pequenas empresas pode haver desemprego, visto que não poderão arcar com 20% no aumento do custo da mão de obra.

“Investir em educação de base, em formação da mão de obra, e em tecnologia para as empresas são alguns dos caminhos possíveis. Baixar uma norma com redução de jornada por si só não vai resolver e é capaz de gerar mais problemas no índice de empregos no Brasil.”

Aspectos positivos e negativos

Para a advogada trabalhista Ana Lúcia Pinke Ribeiro de Paiva (Araújo e Policastro Advogados), a PEC em discussão sem dúvidas busca colocar o Brasil em posição de vanguarda, ao lado de grandes economias e/ou países desenvolvidos, como é o caso do Japão e do Reino Unido, que já adotam a chamada jornada 4×3.

Contudo, na visão da especialista, é preciso avaliar, em profundidade, se o nosso país comporta referido movimento.

“Isto porque, como é de conhecimento geral, o Brasil tem um dos maiores custos associados ao trabalho do mundo, mas apresenta baixos índices de produtividade. Além disso, o salário-mínimo do país é deficitário. Assim, quer parecer que uma mudança isolada de mais um componente do custo do trabalho, dissociada de outras alterações, deva ser analisada com cautela.”

Ao apontar aspectos positivos, a advogada pontuou que, aprovada em momento adequado, a PEC pode ser uma importante aliada em termos de segurança do trabalho e do aumento da qualidade de vida dos trabalhadores – valor altamente apreciado em tempos pós-pandêmicos.

“É difícil assegurar, com base em pesquisas realizadas em outros países, cuja realidade é distinta da nossa, se haverá aumento de vagas de emprego, não só do ponto de vista quantitativo, como qualitativo.”

Com relação aos aspectos negativos da aprovação da PEC, Paiva observou que, acaso a experiência constatada em outros países não se confirme no Brasil, há risco de desemprego ou de geração de empregos com salários reduzidos, em decorrência do aumento dos custos pelas empresas.

“Não obstante os custos da contratação de empregados no Brasil sejam elevados, ainda assim e de modo geral, mantêm-se em patamares mais baixos do que aqueles praticados em vários países, de modo que o incremento dos custos poderá trazer como revés a redução das vantagens competitivas hoje existentes na contratação de pessoas no Brasil, tornar menos palatável a atração de investimentos externos ao país e mais difícil o ‘fechamento da equação’ para as empresas.”

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