Gerson de Melo, até o domingo 30 de novembro de 2025, era um jovem desconhecido da maioria dos brasileiros e muito conhecido apenas em sua pequena bolha de convivência diária. Ao ler um pouco sobre sua trajetória, percebi uma vida marcada por conflitos familiares. Era uma família desestruturada, disfuncional, com uma mãe que certamente o amava, mas que não tinha condições de criá-lo dentro dos padrões de uma família funcional, até porque ela mesma enfrentava dificuldades profundas.
Ele amava a família e, sempre que conseguia um respiro dos transtornos e angústias vividos na capital João Pessoa, na Paraíba, o primeiro desejo era visitar a mãe e a avó. Gerson era um jovem de apenas 19 anos que enfrentou, aos trancos e barrancos, as dores terríveis de quem cresce sem um lar de verdade.
Ninguém sabe ao certo por que ele alimentava na mente esse sonho estranho de ser domador de leões e outros animais ferozes. Talvez fosse o desejo íntimo de derrotar o leão interno que o atacava dia e noite. Sonhos frustrados, solidão, incompreensão e aquela rebeldia que tantas vezes acompanha a juventude podem ter sido parte dos tormentos que o perseguiam.
Em um de seus impulsos, lembrou-se da Bica, o conhecido zoo da cidade de João Pessoa. Eu a conheço muito bem. Fez parte da minha infância, quando eu ia com meus irmãos e meus pais para apreciar a simplicidade do lugar, ver a variedade de animais e saborear pipoca e algodão doce. Era um refúgio dentro de João Pessoa.
Gerson, porém, entrou pelos portões do Parque Arruda Camara naquele domingo com o espírito de quem queria vencer. Para ele, era chegada a hora de enfrentar de uma vez por todas o animal selvagem que o devorava por dentro. Já não era momento de perguntas, de ouvir opiniões nem de buscar orientação. Era um ponto final. Tudo ou nada. Ele parecia saber que não haveria retorno.
E assim, num ato tresloucado e sem qualquer permissão, invadiu o território da leoa. Entrou pela janela como um ladrao, só que era dia claro, e todos testemunharam sua insensatez. A leoa o avistou de longe, aproximou-se e o atacou. Ele foi devorado.
De uma forma trágica e incompreensível, Gerson alcançou aquilo que talvez imaginasse ser seu sonho: libertar-se do leão interno que o atormentava. Agora, a leoa, que não tem consciência do que fez, sofre as consequências. Há quem diga que especialistas a acompanharão e que ela não será sacrificada. Mas doravante, crianças e adultos que visitarem o parque a observarão com medo, desconfiança e até rejeição. Ela carregará para sempre o peso do rótulo de leoa assassina, mesmo sem entender nada disso.
Infelizmente, o ser humano perdoa pouco, ou quase nunca.
Elcio Nunes
Cidadao Brasileiro


