O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação com pedido de liminar para determinar a demolição imediata da estrutura inacabada do antigo Hotel Cabo Branco, localizada no centro da Comunidade Vitória, no bairro Altiplano, em João Pessoa. O edifício, abandonado há décadas, apresenta risco iminente de colapso estrutural, ameaçando diretamente a vida e a integridade física de aproximadamente 200 famílias que vivem no entorno.
Na ação, o MPF requer, liminarmente, que o município de João Pessoa seja obrigado a apresentar, em até 30 dias, um plano detalhado de demolição da estrutura, com a identificação das residências afetadas, as medidas de evacuação e as estratégias de isolamento da área.
Além disso, o MPF pede que o município cadastre, em até 45 dias, todas as famílias que residem no prédio ou em casas que possam ser impactadas, para fins de concessão de auxílio-aluguel durante o período em que precisarão deixar suas moradias para viabilizar a demolição do hotel. O auxílio deve ser mantido até que as habitações afetadas sejam restauradas ou que novas moradias sejam construídas na própria comunidade.
O MPF também requer que o município execute, em até 60 dias, a demolição integral do edifício e a remoção dos entulhos, com supervisão técnica especializada e adoção de todas as medidas de segurança, além de apresentar, em até 90 dias, um plano de uso e ocupação do solo elaborado em conjunto com a comunidade, priorizando a construção de habitações de interesse social para as famílias diretamente afetadas e a instalação de equipamentos públicos.
Risco iminente – Laudos técnicos da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil de João Pessoa, emitidos em 2017 e 2020, atestam que a construção se encontra em “estágio gradual de instabilidade”, com “setores em colapso estrutural” e “risco iminente de acidentes”, incluindo descargas elétricas improvisadas e condições severas de insalubridade. O MPF ressalta que a permanência da estrutura, nas condições atuais, representa uma ameaça real e imediata à segurança pública e ao direito à moradia digna.
Voz e participação – A decisão pelo ajuizamento da ação resulta de um processo democrático e participativo, que envolveu oficinas conduzidas pelo Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento da Paraíba (IAB/PB), pelo Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFPB (EMAU/Trama) e reuniões com o MPF, Defensoria Pública da União (DPU) e órgãos parceiros.
Nessas ocasiões a comunidade também concordou com a demolição como medida necessária para garantir sua segurança e seu futuro.
O relatório das oficinas participativas, realizadas com os moradores da comunidade, registrou de forma unânime o desejo coletivo de que o espaço resultante da demolição do antigo hotel seja destinado à implantação de equipamentos públicos capazes de melhorar diretamente a qualidade de vida da população.
Durante as atividades conduzidas em diálogo aberto e democrático, a comunidade destacou a necessidade de áreas de lazer, unidades de saúde e infraestrutura urbana básica, reafirmando que a requalificação do território deve priorizar serviços essenciais e promover a integração social. As prioridades indicadas pela comunidade serão chanceladas e detalhadas com o município.
“Os moradores são sujeitos de direito, não objetos de políticas públicas ou de decisões externas”, afirmou o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza, reconhecendo a importância da participação da comunidade nas decisões sobre o espaço que ocupa.
Durante reunião realizada na última sexta-feira (14), na sede do MPF, a Comunidade Vitória foi informada, em primeira mão, sobre o ajuizamento da ação para a demolição do antigo hotel, antes mesmo da divulgação oficial da notícia.
Trajetória coletiva – A Comunidade Vitória é formada majoritariamente por trabalhadores, mães solo, idosos e famílias que consolidaram suas vidas no local ao longo de mais de duas décadas. Entre eles, está o operador de retroescavadeira que ajudou a construir a megaestrutura de uma escola privada situada em frente à comunidade. Sua história, assim como a de outras famílias, evidencia a profunda relação dos moradores com o território e a vulnerabilidade acentuada diante do risco estrutural imposto pela edificação abandonada.
Usucapião coletiva – Além da urgência diante do risco físico, o MPF lembra que o direito da comunidade ao território também está em discussão judicial. A DPU ajuizou Ação de Usucapião Especial Coletivo em favor das famílias (Processo nº 0803359-15.2022.4.05.8200), reconhecendo que a posse mansa, pacífica e prolongada reforça o vínculo comunitário com o local e a função social da propriedade, prevista na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade.
Símbolo de desperdício – O caso do antigo Hotel Cabo Branco tem origem no desvio de mais de 7 milhões de dólares em recursos do Finor, destinados à construção do empreendimento na década de 1990. A obra nunca foi concluída e o prédio abandonado passou a representar, como afirmou o MPF em 2009 ao recorrer para aumentar a pena dos responsáveis condenados por crime contra o sistema financeiro nacional, um “símbolo da impunidade e do desperdício de recursos públicos”. Hoje, a grande estrutura representa não apenas um marco de abandono, mas um risco concreto à vida de centenas de pessoas, motivo pelo qual o MPF pede urgência na intervenção.
Primeiro resultado da cooperação técnica – A ação ajuizada pelo MPF para a demolição da estrutura do antigo Hotel Cabo Branco é o primeiro resultado concreto produzido pela equipe de pesquisadores vinculada ao Termo de Protocolo nº 0001/2025, celebrado entre o MPF e o governo da Paraíba. O acordo, firmado em maio de 2025 e operacionalizado a partir de outubro deste ano, institui uma cooperação técnica voltada à pesquisa aplicada, à formação prática em direitos humanos e ao desenvolvimento de soluções para casos reais acompanhados pelo MPF, no contexto da criação e implementação de um Laboratório de Pesquisas e Práticas Jurídicas em Direitos Humanos.
Fazem parte desse acordo a Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior (Secties), a Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH), a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) e a Universidade Federal da Paraíba. “A atuação no caso da Comunidade Vitória inaugura essa parceria e evidencia a integração entre Estado e MPF na elaboração de respostas qualificadas, baseadas em evidências, para a proteção de populações vulnerabilizadas”, afirmou o procurador José Godoy.
Ascom MPF


