Representantes de lideranças de religiões de matriz afro-indígena da Paraíba entregaram ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o pedido de registro da Jurema Sagrada como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. A Jurema – também conhecida como Catimbó – é uma tradição marcada por rituais, cantos, conhecimentos e práticas espirituais transmitidos entre gerações, em uma combinação de heranças indígenas e africanas.
O registro imaterial é um instrumento legal e administrativo para reconhecer, valorizar e salvaguardar bens culturais imateriais, tais como saberes, práticas e celebrações, que são parte da identidade de um povo e não possuem materialidade física, como um objeto ou construção. Em nível federal, o Iphan é o responsável pelo registro.
A entrega ocorreu na última sexta-feira (5/9), durante ato público realizado no auditório da Promotoria de Justiça de Alhandra (PB). A cerimônia reuniu representantes do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público da Paraíba (MPPB), do Ministério Público de Contas (MPC-PB), do Iphan e de diversas lideranças das Comunidades Tradicionais de Terreiro, reafirmando o compromisso coletivo com a valorização, a proteção e a salvaguarda das tradições culturais brasileiras.
O requerimento foi formalizado pela Federação Cultural Paraibana de Umbanda, Candomblé e Jurema (FCP UMCANJU) e pela Associação de Juremeiros e Benzedores Reino do Bom Florar, ambas representadas por Pai Beto de Xangô, liderança reconhecida no campo das religiões de matriz afro-indígena.
De acordo com o documento, “o registro da Jurema Sagrada como bem cultural de natureza imaterial é medida necessária para salvaguardar esse complexo cultural frente às ameaças do racismo, intolerância religiosa, apagamento histórico e desvalorização social”. Ele reforça ainda que a manifestação, tem, em suas raízes, práticas de resistência que remontam tradições e ciências indígenas e africanas, “profundamente enraizadas na história, salvaguardando um patrimônio histórico-cultural de direito de todo o povo brasileiro”.
Já reconhecida como Patrimônio Imaterial do Estado da Paraíba, a Jurema Sagrada é documentada desde o período colonial, quando era utilizada por povos indígenas em cerimônias espirituais e medicinais. Com a colonização, enfrentou repressão e perseguição, mas se adaptou, incorporando elementos de outras tradições em um processo de reconstrução cultural que garantiu sua continuidade sem perda de essência. Hoje, sua prática é especialmente forte em estados do Nordeste, como Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas.
O superintendente do Iphan na Paraíba, Emanuel Braga, ressaltou que a solicitação de registro veio em um tempo de união dos terreiros que conseguiram articular e organizar, por meio da mediação do Instituto, o material necessário para a abertura do Processo. “Foi muito simbólico que esse pedido tenha sido feito em um espaço da Promotoria de Justiça do Estado da Paraíba em Alhandra em razão da forte perseguição sofrida por muitos juremeiros em seus territórios tradicionais”, frisou.
Os servidores do corpo técnico Nina Vincent Lannes, Raglan Rodrigues Gondim e Marcos Vinicius Ribeiro de Assis, que acompanharam todo o processo e participaram do ato público. A antropóloga Nina explicou que a mobilização pelo pedido de registro já ocorre há anos, motivada pela necessidade de combate à intolerância religiosa e aos avanços da especulação fundiária e destruição ambiental. “Estamos muito felizes de iniciar este processo na direção do reconhecimento de uma prática cultural ancestral tão disseminada, especialmente no Nordeste”, disse ela.
Enquanto órgão responsável pela preservação do patrimônio cultural brasileiro, o Iphan dará continuidade à análise técnica do requerimento, conforme os critérios estabelecidos pelo Decreto nº 3.551/2000 e pela Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco.
O processo de registro
O processo de registro de um bem como Patrimônio Cultural Imaterial no Brasil é composto pelas seguintes etapas:
Reavaliação decenal: etapa realizada a cada dez anos para verificar a permanência dos valores que justificaram o registro.
Abertura do processo: envio de um pedido formal, datado e assinado ao Iphan.
Análise técnica preliminar: verificação da documentação exigida, que inclui identificação do proponente, justificativa do pedido, denominação e descrição do bem, informações históricas básicas, documentação mínima (fotografias, vídeos, áudios e registros diversos), além de referências documentais e bibliográficas.
Instrução técnica: contratação de equipe especializada para realizar pesquisa etnográfica, produzindo o dossiê de registro e materiais audiovisuais sobre a manifestação cultural.
Análise técnica: elaboração de parecer técnico, parecer jurídico e parecer do conselheiro relator.
Decisão final: apreciação do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, que delibera sobre o deferimento ou não do pedido de registro.
PB Agora