O inferno deve estar em festa, com o espírito do abominado senador Joseph McCarthy celebrando os ataques de Donald Trump a “um punhado de juízes comunistas de extrema esquerda”, a redução da ajuda a universidades, a intervenção no currículo de grandes faculdades e a campanha presidencial contra o poder judiciário. O presidente comemorou cem dias de mandato proclamando seu poder dentro e fora dos Estados Unidos, mas já forçado pelas montadoras a aliviar as novas tarifas sobre o setor automotivo.
Antes da comemoração, a imprensa havia noticiado a baixa da popularidade presidencial. Agora reprovado por 59% dos eleitores, Trump tem a pior avaliação obtida, desde os anos 1950, por um presidente em início de governo.
Seu mandato, no entanto, apenas começou, e ele terá tempo para tentar a recuperação. Para isso terá de recuar tanto quanto recuou – ou talvez mais – no caso das tarifas impostas a produtos de outros países. Mas também terá de trabalhar pela melhora da economia.
Como senador, Joseph McCarthy (1908-1957) liderou uma ‘caça a comunistas’ nos EUA entre o fim dos anos 1940 e os anos 1950 Foto: National Archives of the U.S. Information Agency
Nos primeiros três meses deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos encolheu 0,3%, em termos anualizados, depois de se expandir 2,4% no trimestre final de 2024. A inflação, medida em termos anuais, diminuiu de 3% em janeiro para 2,4% em março, mas os custos industriais têm sido pressionados pelas barreiras comerciais impostas pelo governo. O desemprego urbano ficou em 4,2% em março, pouco acima da projeção do mercado (4,1%) e quase sem variação quando se consideram as taxas desde o fim de 2024.
O presidente americano pode atribuir a desaceleração da economia a decisões do governo anterior, embora a atividade ainda tenha sido vigorosa no final do ano passado. Não tem, no entanto, como justificar sua ineficiência no início de mandato, quando cuidou mais de impor a própria figura do que de estimular a atividade em seu país. Ao contrário – prejudicou essa atividade ao elevar os custos industriais com tarifas sobre componentes e outros insumos importados.
Como empresário, Donald Trump certamente conhece os seus negócios, mas, como presidente, parece ter dificuldade para entender o funcionamento da economia. Se tiver disposição para ouvir assessores e profissionais de fora do governo, talvez consiga administrar o país com alguma eficiência.
Na melhor hipótese, isso incluirá convivência civilizada e cooperativa com outros países, além de respeito a instituições internacionais. Mas, para isso, será necessária uma grande mudança de comportamento e, principalmente, de concepções e de valores.
Trump tem mostrado com muita clareza sua dificuldade para entender e valorizar uma ordem global civilizada. Nem seus vizinhos mais próximos, Canadá e México, têm sido tratados com a consideração e o respeito necessários.
Também os demais governos, incluído o brasileiro, têm de ser cuidadosos, sem ser subservientes e buscando valorizar e fortalecer as normas e instituições internacionais.
O desprezo de Trump a essas normas e instituições é mais um motivo – especialmente relevante – para reafirmar e reforçar os melhores padrões de convivência entre países soberanos. Tem valido a pena apostar na civilização. Talvez valha, mais uma vez.