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No ar no Brasil no Disney+, Uma Família Perfeita não é apenas mais uma das muitas recentes produções do streaming que adaptam histórias reais de grande repercussão. Ao menos é o que acredita Mark Duplass. Para o ator, que interpreta o inerte Michael Barnett na trama, há algo de diferente na visão proposta pela minissérie; segundo ele, o seu grande acerto é brincar com os pontos de vista e testar a crença do espectador até o limite.
Mark Duplass em cena de ‘Uma Família Perfeita’, minissérie do Disney+ que retrata caso de Natalia Grace Foto: Disney+/Divulgação
“O que eu gostei da abordagem das nossas showrunners é que queriam contar a história sob múltiplas perspectivas, e elas iriam, de uma certa forma, envolver os espectadores e seus julgamentos”, conta, em entrevista ao Estadão.
“A série é desenhada para que você comece a julgar as pessoas, e especialmente Natalia, de uma forma que você talvez nunca tenha feito antes. Não quero dizer que é manipuladora, mas é ousado colocar o público em um lugar e inverter tudo. Para mim, valia a pena apostar nisso e dar a Natalia a última palavra.”
A Natalia citada por Duplass, ator conhecido por The Morning Show, além de produtor e roteirista de Blue Jay, Togetherness e Room 104, é Natalia Grace, a jovem ucraniana com um tipo raro de nanismo que, ao ser adotada por uma família americana, se viu no centro de uma polêmica quando seus pais passaram a desconfiar que ela era uma adulta se passando por criança.
Sua história também virou tema de um documentário e notícia de tabloides devido ao teor curioso de todos os desdobramentos, que envolvem disputas judiciais e muitas acusações de todos os lados.
A série em oito episódios encontra um caminho no mínimo corajoso para lidar com as múltiplas versões e a pressa do público para tirar conclusões. Os primeiros capítulos trazem o ponto de vista do casal, Michael e Kristine Barnett (Ellen Pompeo), contra Natalia (Imogen Faith Reid); os últimos invertem a lógica e mostram como Natalia enxergava a situação.
Ellen Pompeo, que ficou conhecida por seu papel em ‘Grey’s Anatomy’, interpreta a mãe adotiva da minissérie Foto: Disney+/Divulgação
Caixinha de surpresas
A proposta gerou reações curiosas do público. Duplass conta que chegou a receber mensagens de fãs nas redes sociais, alguns criticando a série por estar sendo injusta com Natalia, e outros convencidos de que a menina era simplesmente uma pessoa muito ruim.
“Então, quando as pessoas chegavam no episódio cinco, elas repensavam. Algumas pessoas ficaram muito irritadas conosco nos quatro primeiros, dizendo que estávamos demonizando aquela pobre menina”, recorda. “É claro que não estávamos. Os personagens Michael e Kristine a estavam demonizando, porque estávamos vendo tudo pelo olhar deles.”
Último episódio de ‘Uma Família Perfeita’
O último episódio, disponibilizado no streaming nesta quarta, 30, traz o desfecho da história e um confronto aguardado entre as duas partes. O desgaste de acusações e narrativas fez o casamento dos Barnett chegar ao fim e, prestes a ser julgado por abandono de uma (possível) menor, Michael se vê diante da possibilidade de depor contra a ex-esposa para se livrar da pena. O momento é significativo.
“O interessante sobre o Michael é que ele é alguém que está sob o controle da mulher que ele vê como a pessoa que salvou a vida dele. E ele tem medo de desagradá-la, medo de que ela o abandone”, explica Duplass. “Infelizmente, esse medo se transforma em abuso passivo contra Natalia, porque ele permite que coisas terríveis aconteçam com ela, e ele mesmo também faz algumas coisas bem horríveis.”
Por isso, o simples ato de demonstrar que está disposto a se priorizar já é grande para ele. Mas será que é tudo? “Acho que é um pequeno passo legal, mas no final o dano já está feito, e Michael precisa conviver com isso”, opina.
Saúde mental, traumas e medo de mudança
O fato de se considerar uma vítima ao mesmo tempo em que também precisa se entender como um homem adulto que toma as próprias decisões transforma Michael em um personagem bastante complexo, algo que Duplass tinha em mente na hora de desenvolvê-lo. O ator escolheu não conversar com o Michael real ou ver muitos materiais de arquivo para que não replicasse os seus trejeitos.
“As pessoas falam muito do comportamento histriônico dele, e eu queria entender isso e trazer elementos para o personagem que eu estava construindo, mas não muito para que não parecesse uma caricatura”, explica. “Não assisti muito do documentário porque não queria fazer uma imitação, mas ele é uma figura pública.”
‘Uma Família Perfeita’ lançou seu último episódio nesta quarta, 30 Foto: Disney+/Divulgação
O ator conta que não consegue justificar as atitudes de seu personagem, mas que encontrou em seus próprios traumas uma forma de se conectar com os conflitos de Michael.
“Já lidei com minhas próprias questões de saúde mental no passado, e eu entendo a vulnerabilidade que isso provoca. Eu consigo entender que, quando você chega em um lugar da sua vida em que acredita que está tudo bem, você não quer fazer mudanças porque tem medo de voltar àquele lugar obscuro. Acho que essa é uma grande parte do problema de Michael. Ele fecha os olhos para os problemas de comportamento tanto de Kristine quanto de Natalia.”
Trabalho em família
Após mais de duas décadas interpretando Meredith Grey em Grey’s Anatomy, Uma Família Perfeita foi a série que deu a Ellen Pompeo um novo desafio, que a atriz cumpre com louvor. Para muitos, é impossível reconhecer qualquer traço da cirurgiã nas escolhas da atriz para interpretar Kristine, e Mark concorda.
“Ela tem muita integridade, e trabalha duro para fazer tudo certo. Ela não brinca em serviço”, elogia o ator, admirado por ver tais características em uma estrela com a carreira na TV tão sedimentada. “Isso é raro. [Essas pessoas] tendem a ser muito políticas, você não sabe se eles estão sendo falsos ou verdadeiros, se gostam de você ou não. Me senti bastante seguro com ela.”
Mesmo com o clima amigável nos bastidores, ele recorda que houve momentos desafiadores, sobretudo quando precisou gravar uma cena complicada com Imogen, em que Michael visita o apartamento de Natalia, exibida no episódio 5. “Foi uma das cenas mais difíceis que já fiz. A gente gravava e depois chorava e se abraçava, porque nutrimos um carinho muito grande um pelo outro”, recorda, pontuando que a lembrança fez o último confronto entre os dois, no episódio final, ser ainda mais simbólico.
“Aquela cena foi boa para termos uma noção realista de encerramento, mesmo que tudo não esteja em pratos limpos. Foi divertido ver uma versão de Natalia com aquele nível de autonomia.”
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