Veja o trailer do filme ‘Nouvelle Vague’
Crédito: Mares Filmes/Divulgação
Não é exagero dizer que Acossado (1960), a estreia de Jean-Luc Godard nos longas-metragens, expandiu as possibilidades para todos os filmes que vieram depois. Nouvelle Vague, de Richard Linklater, agora disponível nos cinemas, é uma cinebiografia cordial que acompanha a criação desse marco, sobre um ladrão francês (interpretado por Jean-Paul Belmondo) e sua amante americana (Jean Seberg). Linklater tem a tarefa nada invejável de recriar os detalhes das filmagens sem alienar os fãs de Godard.
Felizmente, os cineastas permanecem impressionantemente fiéis tanto ao espírito quanto à história da Nova Onda — ou “Nouvelle Vague”, termo para a série de trabalhos de jovens cineastas de meados do século 20 na França. O filme de Linklater está repleto de nomes e piadas internas; pisque e você perderá Agnès Varda, Jacques Demy e Alain Resnais, interpretados por sósias não creditados. Aqui está um guia para algumas das referências.
O Diretor (e amigos)
“Sou o último da Cahiers a dirigir”, reclama Godard (interpretado por Guillaume Marbeck) logo no início. Ele se refere à Cahiers du Cinéma, a revista de cinema francesa onde Godard escrevia como crítico. A revista promovia a “teoria do autor”, chamando a atenção para a arte de diretores de Hollywood como Howard Hawks e Nicholas Ray. Vários de seus redatores tornaram-se, eles próprios, grandes cineastas.

Cena do filme ‘Nouvelle Vague’, de Richard Linklater; longa mergulha nos bastidores das filmagens de ‘Acossado’, de Jean-Luc Godard Foto: Foto: Divulgação
Os colegas críticos de Godard — François Truffaut, Claude Chabrol, Jacques Rivette e Éric Rohmer — todos já haviam passado à sua frente na filmagem de longas, se não no lançamento. Em uma cena de festa, a cantora Juliette Gréco (Alix Bénézech) despreza Godard para dizer a Chabrol (Antoine Besson) que adorou Nas Garras do Vício (Le Beau Serge), sua estreia autofinanciada. Mais tarde, Godard corre de Paris para o Festival de Cannes para assistir à estreia do primeiro longa de Truffaut, Os Incompreendidos. (A cena de Godard correndo por uma estrada rural presta homenagem a Acossado, imitando a fuga do personagem de Belmondo em um carro roubado — mas, na vida real, Richard Brody observa na biografia Everything Is Cinema, Godard foi de trem.)
Trechos da crítica escrita de Godard, disponíveis no livro Godard por Godard, estão inseridos em Nouvelle Vague como diálogos. Godard de fato descreveu os curtas-metragens como “anticinema”, como faz para Suzanne Schiffman (Jodie Ruth Forest), que trabalhou com muitos dos diretores da Nova Onda como roteirista ou continuísta. Em uma cena no escritório da Cahiers, Godard entrega a Rivette (Jonas Marmy) sua crítica de Os Incompreendidos, que Rivette cita diretamente para a câmera: “Rapidez. Arte. Novidade. Cinematógrafo”. Durante as filmagens de Acossado, Godard diz a Seberg (Zoey Deutch) que quer que a imagem de encerramento seja o “plano mais triste da história do cinema”, comparável a um momento em Mônica e o Desejo, de Ingmar Bergman. A frase “plano mais triste” vem de uma crítica de “Mônica” que Godard escreveu em 1958.
As estrelas
Boxeador amador desde a adolescência, Belmondo (Aubry Dullin) é apresentado em uma academia, onde Godard lhe propõe o papel principal em Acossado. Escalar Belmondo foi, de certa forma, natural: como relatado no filme, Belmondo já havia atuado para Godard em um curta, mas Godard teve que dublar o papel ele mesmo porque Belmondo estava servindo no exército. Ao pedir permissão para a dublagem, escreve Brody, Godard prometeu a ele um papel em seu primeiro longa.
Seberg, por outro lado, já estava sob os holofotes globais. “Sou a prova viva de que toda a publicidade do mundo não fará de você uma estrela de cinema se você também não for atriz”, diz Seberg a um repórter em Nouvelle Vague, antes de conhecer Godard. Ela se refere ao desastre em torno de sua estreia: para Santa Joana (1957), o diretor Otto Preminger buscou uma desconhecida para interpretar Joana d’Arc. Seberg, uma jovem de 17 anos de Marshalltown, Iowa, venceu cerca de 18.000 candidatas. A recepção à sua atuação foi terrível. Preminger insistiu, escalando-a como a filha de um playboy em Bom Dia, Tristeza (1958). E embora muitos críticos também tivessem palavras duras para essa atuação, Godard discordou, elegendo Bom Dia, Tristeza entre os melhores do ano.
Godard definiu Patricia, a personagem de Seberg em Acossado, como uma extensão do papel da atriz em Bom Dia, Tristeza, três anos após o filme de Preminger. E embora a espontaneidade de Godard tenha deixado Seberg confusa no set, a colaboração deles provou ser mais feliz do que seu tempo com Preminger — a quem ela chamou de “o convidado de jantar mais charmoso do mundo e o diretor mais sádico” — e mais duradoura do que A Recessão Amorosa (1961), o único longa que fez com seu primeiro marido, François Moreuil (interpretado no filme por Paolo Luka-Noe), que ao longo de Nouvelle Vague serve como intermediário com Godard. Seberg chegou a interpretar uma versão de Patricia para Godard novamente em um curta de 1964.
A equipe
Em Nouvelle Vague, os métodos de trabalho imprevisíveis de Godard e sua atitude casual em relação ao cronograma mostram-se frustrantes para o produtor Georges de Beauregard (Bruno Dreyfürst), que, escreve Brody, realmente chegou a entrar em um confronto físico com Godard em um café depois que o diretor fingiu estar doente e cancelou as filmagens por um dia. Beauregard passou a servir como produtor em grande parte da histórica trajetória de Godard nos anos 1960, enquanto também produzia filmes para Varda, Demy, Rivette e Rohmer.
O operador de câmera Raoul Coutard (Matthieu Penchinat) tornou-se outro colaborador regular de Godard; eles fizeram espantosos 15 longas-metragens juntos. Suas inovações com Godard em Acossado — filmar com película Ilford destinada a fotografias estáticas, forçar o filme além de seus limites supostos sob luz solar direta, transformar um carrinho de entregas em um dolly improvisado — são todas observadas no livro de Brody.
Pierre Rissient (Benjamin Clery), assistente de direção de Godard, seguiu um caminho diferente. Nas décadas de 1970 e 80, ele dirigiu dois longas em Hong Kong e nas Filipinas, mas tornou-se mais conhecido como um promotor incansável com trânsito livre em Cannes. Ele foi um dos primeiros defensores de Clint Eastwood, Jane Campion e Quentin Tarantino, entre muitos outros.
Os antepassados
Os diretores da Nova Onda eram cinéfilos antes de serem cineastas, e Nouvelle Vague mostra Godard reunindo-se com veteranos, incluindo o neorrealista italiano Roberto Rossellini (Laurent Mothe) — cujos Alemanha, Ano Zero e Viagem à Itália tornaram-se referências regulares na obra de Godard — e Jean-Pierre Melville (Tom Novembre), um mestre dos filmes policiais austeros que faz uma ponta em Acossado como um autor famoso cuja maior ambição é “tornar-se imortal e depois morrer”. Truffaut é mostrado recebendo conselhos paternais de Jean Cocteau (Jean-Jacques Le Vessier) na estreia de Os Incompreendidos.
Mas a troca intergeracional mais engraçada ocorre quando Godard troca figurinhas com Robert Bresson (Aurélien Lorgnier), que, durante a produção de Acossado, o convida para a estação de metrô onde está filmando O Batedor de Carteiras (1959). Bresson, conhecido por seu estilo rigoroso e ascético, era, de certa forma, o oposto estético de Godard. Mas Godard, que em Nouvelle Vague o chama de “o cinema francês personificado”, adorava seus filmes: “Ele é o cinema francês, como Dostoiévski é o romance russo e Mozart é a música alemã”, escreveu ele como crítico.
Este artigo apareceu originalmente no The New York Times.
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