Lindomar Batista, o ‘rei do bolero’, morreu neste sábado, 20, aos 85 anos de idade. Além de ser um dos cantores mais populares do brega nos anos 1970, com sucessos como Você É Doida Demais, também cometeu um crime de ampla repercussão à época: o assassinato de sua mulher, a cantora Eliane de Grammont, em 30 de março de 1981.
Lindomar Castilho e Eliane de Grammont
Segundo Lindomar, o casal se conheceu na gravadora RCA, pouco mais de dois anos antes do crime. Teriam se apaixonado e ido morar juntos, quando Lindomar soube que ela estava grávida. Se casaram em seguida. O cantor alegava que ela teria um relacionamento extraconjugal com Carlos Roberto da Silva, primo de Lindomar, e também um médico, que não foi identificado. A separação veio após cerca de um ano de casamento, e o cantor alegava que pagava uma pensão no valor de Cr$ 20 mil.
A família de Eliane, por sua vez, tinha outra visão da história. Helena, sua irmã, descrevia o cunhado como um “homem violento, grosseiro e mal educado”. Ela afirmava que Castilho teria obrigado Eliane a interromper a carreira de cantora e, diante da separação, teria sido agredida pelo ex-marido, registrando uma queixa-crime numa delegacia à época.
Após o fim do casamento, Eliane Grammont vinha tentando restabelecer sua carreira, e também se relacionar com outras pessoas, o que a família alegava que o cantor não aceitava, mesmo com o término.

Lindomar Castilho após ter assassinado a sua mulher em 30 de março de 1981. Foto: Arquivo Estadão
Como foi o crime em que Lindomar Castilho matou a esposa
Na madrugada de domingo para segunda-feira, 30 de março de 1981, Eliane Aparecida Grammont, então com 25 anos de idade, cantava a música João e Maria, de Chico Buarque, na boate Belle Époque, em São Paulo. Carlos Roberto da Silva tocava violão ao seu lado. Lindomar Castilho entrou no local e disparou diversas vezes em sua direção.
Antes de ser condenado pelo crime, o cantor prestou um depoimento que não condizia com o de outras testemunhas e nem com suas ações anteriores. Segundo Lindomar, o crime não teria sido premeditado. “Eu fui falar com o rapaz para propor que eles ficassem com o apartamento e me deixassem criar minha filhinha. Ele voou em cima de mim e me agrediu. Aí, porque ele sacou uma arma ou qualquer outra coisa que eu não pude ver direito, tirei também a minha e atirei. A partir daí, não vi mais nada. Só fiquei sabendo da morte da Eliane aqui na delegacia”, afirmou, em seu depoimento, segundo o jornal O Globo.
Quanto ao fato de estar armado, justificava: “Trabalho à noite e viajo muito. Portanto, tinha a arma para defesa pessoal, com registro legal. Além do mais, vinha sendo ameaçado pelo Carlos Roberto, que me seguiu diversas vezes em um Volks azul”. A versão não convenceu os investigadores: apesar de alegar utilizá-la em suas viagens, o cantor tinha comprado sua arma, na terça-feira daquela mesma semana, ou seja, seis dias antes do crime. Além da Taurus calibre 38, também adquiriu uma caixa com 50 balas no mesmo dia. Nove delas estavam em sua bolsa, e outras 16 foram encontradas numa gaveta de seu apartamento.
“Um homem que compra uma arma recentemente e entra na boate da maneira que ele entrou não parece estar bem intencionado”, adiantava o delegado Geraldo Branco de Camargo, do 4º DP de São Paulo, à imprensa. William Schmidt, dono da boate Belle Époque, relatou em depoimento que Lindomar Castilho “entrou de arma em punho, disparando vários tiros” em direção ao palco. Carlos Roberto, então, teria partido em direção a ele, iniciando uma briga. Carlos e William conseguiram imobilizar Castilho, amarrando seus pés e suas mãos com cordas de náilon.
João Miguel Marques de Medeiros, um cantor que havia se apresentado pouco antes, também foi testemunha. Ele estaria à porta do local quando viu Lindomar chegar e, em seguida, diversos tiros. Foi João Miguel quem socorreu Eliane Grammont e Carlos Roberto rumo ao pronto-socorro de um hospital.
Consta que uma outra arma, um revólver Rossi, calibre 32, foi encontrado pela polícia no chão da boate. De acordo com o delegado, ele não pertenceria a Carlos Roberto, nem Lindomar Castilho: “Alguém que estava na boate pode ter se aproveitado da confusão para desfazer-se dela”.

Eliane de Grammont ao lado da filha, Lili Grammont; cantora foi assassinada pelo ex-marido, Lindomar Castilho, em 30 de março de 1981. Foto: Domício Pinheiro/Estadão
O corpo de Eliane Grammont foi sepultado por volta das 13h daquela segunda-feira, 30 de março de 1981, no jazigo de sua família, no cemitério do Araçá. Durante o enterro, foi lida uma mensagem escrita por organizações feministas a respeito de seu assassinato. À época, ainda não havia a categorização do crime como “feminicídio”, que provavelmente seria utilizada pela legislação atual.
Hoje presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve na cerimônia para prestar condolências à família. Eliane tinha 11 irmãos. Um deles, o jornalista Júlio de Grammont, foi assessor de imprensa do sindicato dos metalúrgicos do ABC, e anos depois seria assessor de imprensa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha presidencial de 1998.
Lindomar Castilho alegou ‘legítima defesa da honra’, foi julgado e condenado pelo crime de matar a esposa
Ao longo de sua defesa, Lindomar Castilho usou a tese de “legítima defesa da honra”. O advogado de Castilho na ocasião, Luís Paulo de Campos Souza, pretendia que o cantor fosse liberado para recorrer em liberdade em no máximo 10 dias, o que não se concretizou. Lindomar foi para a Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, onde ficou na cela 4367-E, do Pavilhão 4, “destinada a criminosos ocasionais”. Segundo o Estadão à época, o músico chegou a ser tietado por colegas: “Lindomar, que está na enfermaria da detenção, foi muito procurado ontem pelos presos do local, finalmente informados pelos alto-falantes”.
Ele foi solto após 27 dias detido, em 28 de abril, graças a um alvará de soltura baseado na Lei Fleury, que permitia aos acusados esperar pelo julgamento em liberdade. Foi feita uma entrevista coletiva em que Lindomar Castilho apareceu trêmulo e evitou responder à maioria das perguntas. Em duas ocasiões, foi retirado da sala por seu irmão, Omar Cabral, e depois retornou.
Uma das principais perguntas remetia a um boato que surgiu à época: o de que Lindomar Castilho teria composto uma canção para falar sobre o assassinato de Eliane de Grammont. O nome seria Matei por Amor, ou Por Que Matei – variava conforme a versão. Ele negava: “Eu não tenho condições de compor. Me perdoem, eu não estou bem de saúde. Não tenho condições de falar nesta situação. Deixem passar um tempinho e eu mesmo procuro vocês [jornalistas].”
Três anos depois, em agosto de 1984, Castilho foi a julgamento e acabou sendo condenado a 12 anos e dois meses de prisão. “Honestamente, eu não esperava que a pena fosse tão grande. Eu tinha esperança que fosse mínima. Mas meu advogado vai recorrer. E voltarei a ser julgado em outra situação. A esperança é a última que morre, não é?”, dizia.
O cantor cumpriu cerca de sete anos no regime fechado, e o restante da pena no semiaberto. Na década de 1990, cumpriu a totalidade da pena com a Justiça e voltou a ser livre.
Por ocasião de sua morte, em 20 de dezembro de 2025, sua filha, Lili Grammont, afirmou: “Ao tirar a vida da minha mãe, também morreu em vida. O homem que mata também morre. Morre o pai e nasce um assassino, morre uma família inteira. Se eu perdoei? Essa resposta não é simples como um ‘sim’ ou ‘não’. Ela envolve todas as camadas das dores e delícias de ser, um ser complexo e em evolução. Desejo que a alma dele se cure, que sua masculinidade tóxica tenha sido transformada”.


