Se no álbum anterior, Sagrado, Diogo Nogueira se voltou para a ancestralidade do samba, no próximo, Infinito Samba, ele deseja olhar para o que vem no futuro, além de deixar um testamento para as próximas gerações.
O projeto, que se inicia com uma turnê cujo primeiro show ocorre em março, no Rio de Janeiro, e chega a São Paulo no mesmo mês, terá alguns de seus sucessos e músicas inéditas. Uma grande homenagem ao samba.
O show terá a direção artística de Rafael Dragaud, ex-TV Globo e atual diretor da turnê Tempo Rei, de Gilberto Gil. A intenção é fazer uma integração entre o cantor, seu figurino e os elementos cênicos. O formato será de palco. Nada das arenas que se popularizaram com a turnê Tardezinha, de Thiaguinho.

Diogo Nogueira lança novo projeto, ‘Samba Infinito’, para comemorar 20 anos de carreira Foto: Priscila Prade
Há um motivo: Nogueira, além da sua banda, vai contar com a participação da Orquestra MPB Jazz. “Vai ter uma sonoridade bem ‘enfezada’, encorpada, para fazer essa homenagem ao samba, de uma forma elegante, bacana, da forma como o samba merece”, diz o cantor.
Infinito Samba tem mais uma motivação: comemorar os 20 anos de carreira de Nogueira. Dos shows na Lapa, reduto da boemia carioca, ao primeiro álbum, Diogo Nogueira Ao Vivo, lançado em 2007, foi tudo muito rápido. “Eu ainda era bem jovem, super cru. Mas foi um momento especial na minha vida”, recorda o cantor, que classifica sua trajetória como “vitoriosa”. “Eu sempre tive cuidado com meu repertório. Hoje, me sinto mais forte, mais experiente”.
Por falar na Lapa, uma das vertentes que Nogueira vai mostrar na nova turnê é o samba de gafieira. “É uma sonoridade que eu amo muito. Dá para dançar, mexer o corpo. Tem balanço, um swing diferente. É quase um jazz”, afirma.
Assim como o jazz, nascido em guetos, a gafieira também vem das casas do subúrbio e tinha, em um primeiro momento, a função de arrecadar fundos para as escolas de samba. Nogueira também se preocupa com esse público.
A turnê Infinito Samba, depois de passar por cidades do Sul e Nordeste do País, fará seu encerramento no Parque Madureira, no Rio de Janeiro, em junho de 2026, com entrada gratuita, quando será gravado o projeto audiovisual. O público pode esperar, além do samba de gafieira, o partido alto, samba-canção, releituras e canções românticas. “Sou um cantor popular que está com público, de olho nele. É um agradecimento”, diz.
Ao longo dos 20 anos de carreira, Nogueira, a propósito, transitou entre projetos mais conceituais, como o Bossa Negra, de 2014, que gravou conjuntamente com o bandolinista Hamilton de Holanda, inspirado pelos afro-sambas de Baden Powell e Vinicius de Moraes, e outros justamente mais populares, sustentados por sucessos já consagrados, como Ao Vivo nos Noite Cariocas, de 2022, que traz canções como Talismã e Tá Escrito.
Para ele, algo natural. “Faço o que eu gosto. Sou cantor. Meu timbre me permite a cantar outros gêneros. Sou música. Tenho permissão para isso. Só faço, vivo e canto, A música brasileira é essa força, essa união. Ela é o movimento cultural mais importante deste País”, diz.
Nogueira sabe também que o samba tem ficado cada vez mais pop. Pelo menos o que frequenta as paradas de sucesso, medidas, atualmente, pelo ranking das plataformas digitais. Entre os artistas mais ouvidos em 2025, apenas um é do samba/pop, o grupo de pagode Menos é Mais, com uma versão de Corazón Partío, do cantor espanhol Alejandro Sanz.
O cantor explica que a diferença está, sobretudo, na instrumentação. “O samba mais pop elimina o violão de 7 cordas e o trombone, por exemplo. Quando eu, na verdade, procuro dar uma modernidade ao samba com esses instrumentos. Aliás, eu sou o único que faço isso com mais frequência”, avalia Nogueira.
O que não se explica, no entanto, é como um gênero tão presente nas ruas, nas rodas das grandes cidades, e com shows lotados, não está representado de maneira mais significativa nos dados das plataformas.
“Nosso público prefere ir para a roda de samba do que ficar em casa ouvindo (risos). Não posso nem te dizer o porquê que isso ocorre. Não sabemos nem como [a métrica] funciona. Já me falaram que existem ‘fazendas’ de celulares [para dar play]. O sambista [ouvinte] gosta mesmo de ir para a rua”, diz.
Nogueira admite que não tem mais tanto tempo de ir às rodas – no dia que falou com a reportagem, estava há três semanas viajando, com passagens rápidas em casa para trocar a mala. Quando tem uma folga, vai ao Samba do Trabalhador, que ocorre às segundas-feiras, e no Beco do Rato, ambos no Rio. O cantor é conhecido no meio por gostar de trabalhar. Além dos shows, já deixou gravada uma nova temporada de seu programa Diogo na Cozinha, no GNT, no qual cozinha e canta para convidados.
‘Leis de incentivo movimentam a cultura’

Diogo Nogueira diz se permitir a cantar todo tipo de música Foto: Priscila Prade
Nogueira é bastante consciente sobre a função social e política do samba. Vem de uma linhagem que inclui seu pai, João Nogueira, que fundou, no fim dos anos 1970, o Clube do Samba, movimento para fortalecer o gênero. Recebeu adesão de outros bambas como Martinho da Vila, Beth Carvalho, Alcione, Clara Nunes e Paulinho da Viola. Para o cantor o samba é luta e resistência. “Ele bota o pé na porta mesmo”.
Vez ou outra, pode vir uma porrada – e era assim que os sambistas do passado eram tirados das ruas. A turnê Infinito Samba tem patrocínio da Petrobras e das leis de incentivo à cultura. Atualmente, é o suficiente para o linchamento virtual, assim como Gilberto Gil tem experimentado por sua turnê Tempo Rei ser patrocinada pelos Correios.
Para esses possíveis julgadores, Nogueira tem apenas uma sugestão: estudar. “As leis de incentivo movimentam a cultura, geram empregos. As pessoas confundem e acham que o dinheiro vem todo para o meu bolso. Recebo apenas uma parte, assim como todos os funcionários e músicos que vão trabalhar na turnê. A pessoa que pensa ao contrário disso, é uma ignorante. Antes de falar sobre a lei, estude, para depois chegar nas redes sociais e julgar o outro. Procure saber, como diz Gil”, sugere.
A máxima do velho samba de Nelson Sargento, “agoniza, mas não morre” continua válida e parece ser missão que Nogueira abraça. “Não deixamos isso ocorrer [o samba morrer ou ser silenciado]. Como silenciaram a Tia Ciata, o Pixinguinha e vários outros que pavimentaram o samba e sofreram um apagamento cultural. Não há registros da Tia Ciata. Não sabemos nem se a foto conhecida é dela mesmo. Um absurdo”, reclama. “Somos fortes. Da luta, do trabalho e da verdade. Fui criado pelo samba. Ele me deu a vida”.


