DOHA – O Flamengo chegou muito perto de fazer história e ser campeão mundial contra o PSG, nesta quarta-feira, no Catar. Porém, apesar do sentimento de orgulho por ter batido de frente com o campeão europeu, perdendo apenas nos pênaltis, o novo formato da Copa Intercontinental da Fifa mostra problemas, é alvo de críticas e não agrada, principalmente aos sul-americanos.
Entre os pontos negativos estão o pequeno número de torcedores dos clubes participantes, calendário, regulamento e a falta de interesse e desconhecimento de muita gente no país-sede sobre o torneio.

Arrascaeta cobra escanteio durante final do Intercontinental em Doha, no Catar Foto: Gilvan de Souza/Flamengo
Este foi o segundo ano consecutivo com a mudança no regulamento: a entrada do time da Europa diretamente na final, enquanto a equipe da América do Sul foi “rebaixada” e precisa disputar dois jogos antes, quartas de final e semifinal, diante dos campeões dos outros continentes. Em 2024, o Botafogo foi eliminado nas quartas pelo Pachuca, do México. Até 2023, europeus e sul-americanos começavam juntos nas semifinais.
Além disso, a criação da nova Copa do Mundo de Clubes da Fifa, disputada a cada quatro anos e que teve a sua primeira edição realizada nos Estados Unidos agora em 2025, de certa forma desvalorizou a importância deste Mundial, que foi renomeado pela entidade como Intercontinental.
O assunto foi tema na cerimônia de premiação Fifa The Best, realizado nesta terça-feira em Doha. O presidente do Flamengo, Luiz Eduardo Baptista, o Bap, criticou a mudança do regulamento.
Veja os gols e pênaltis de PSG x Flamengo na final do Intercontinental
Veja os gols e pênaltis de PSG x Flamengo na final do Intercontinental. Crédito: AFP
“É impossível não dizer que é absolutamente injusto. Tivemos que jogar três partidas, vamos chegar amanhã na partida 80 do ano, contra um clube que dispensa comentários sobre a qualidade técnica, e vai jogar um jogo apenas neste torneio. Não faz sentido. Fico satisfeito que o assunto esteja sendo discutido. Espero que haja ajustes para a sequência em 2026, independentemente se o Flamengo estiver aqui ou não. Acredito que haja um modelo mais justo do que a gente jogar três jogos e o PSG um”, disse Bap.
A CBF e a Conmebol também estão alinhadas com o tema e consideram injusto o atual formato. As confederações brasileira e sul-americana prometem cobrar a Fifa para tentar mudar a situação.
“O caminho do Flamengo, do campeão da Libertadores, para chegar à final é muito mais longo. Até diria que é injusto. De fato, nunca estivemos de acordo com as mudanças da Copa Intercontinental. A história está de alguma maneira a favor da América do Sul, mas são coisas que acontecem e temos que arrumar junto com a Fifa. Estamos trabalhando para isso”, afirmou Alejandro Domínguez, presidente da Conmebol.
“Penso da mesma maneira. Acredito que precisa ser uma coisa mais justa. É uma demanda que vamos encorpar nos próximos dias, vamos conversar com quem de direito deve ser conversado. Teve um acordo há anos sobre isso. Acredito que com o diálogo podemos deixar isso melhor para todos os clubes e mais justo”, disse Samir Xaud, presidente da CBF.
Mais críticas do Flamengo
Após a final desta quarta-feira no Catar, os jogadores do Rubro-Negro carioca fizeram mais reclamações sobre o regulamento e citaram o desgaste físico da equipe no fim da temporada.
“A gente chega hoje a 76 jogos, e é claro que isso muda um pouco a forma física da gente, porque enfrentar um time europeu já é difícil, e em final de temporada é mais ainda. O europeu, no Mundial passado (no meio do ano nos Estados Unidos) reclamou que eles estavam em fim de temporada, e o Flamengo agora chega no final de temporada. Mas jogando, propondo jogo, a gente foi super bem no jogo aqui hoje. Então, é só enaltecer a temporada que fizemos, temporada de muita entrega, muita dedicação, e hoje a gente também teve muita entrega no jogo. Parabéns para nós por essa temporada”, afirmou o atacante Bruno Henrique.
“É difícil falar de calendário. Se você analisar, no Mundial do meio do ano os europeus reclamaram porque era final de calendário europeu, e agora é o final do calendário sul-americano, de quem disputa a Libertadores. É muito difícil, muito sensível. Mas tem uma diferença porque agora eles tão no meio de temporada, mais frescos. Mas isso não é desculpa nenhuma, nossa equipe estava com todos os jogadores disponíveis para ajudar o Flamengo da melhor maneira possível. O que a gente pode tentar discutir são as quartas e semi do Mundial, que eu acho que tem um desgaste maior para nós, diferente do PSG que chega só pra final. Acho que isso pode ser discutido”, concordou o zagueiro Léo Pereira.
O diretor esportivo do Fla, o português José Boto, também seguiu o mesmo pensamento.
“Bem, antes de mais dizer que ganhámos tudo o que era obrigatório ganhar. Porque isto aqui não é obrigatório ganhar. Nós chegamos aqui com 76 jogos. O Paris Saint-Germain chega aqui com 26. Há uma diferença grande de saúde física nesta altura, mas mesmo assim provamos que podemos jogar de igual pra igual com eles. Foi nos pênaltis, os pênaltis são detalhes. Houve um jogo importantíssimo que ganhamos nos pênaltis. Hoje perdemos. Acho que nada disto belisca a excelente temporada que fizemos”, disse o dirigente.
Pequena presença de torcida
Poucos torcedores dos clubes finalistas viajaram e estavam presentes no Catar, e o clima do torneio no país foi bem fraco. Nos dois primeiros jogos do Flamengo, contra Cruz Azul, do México, e Pyramids, do Egito, o público foi de 7.108 e 8.368 pessoas apenas, respectivamente.
“Estranho. Diferente. Talvez tenha alguma ligação na bola escapar. Vamos ver depois no vídeo com calma. Os jogadores estão acostumados a jogar em todos os lugares com estádios lotados. Em casa ou fora. Uma pena”, disse Filipe Luís, após a vitória sobre o Cruz Azul na estreia.
Na final, apesar do estádio estar cheio com 42.150 torcedores, a grande maioria era de moradores locais e da região do Oriente Médio. A Copa Intercontinental foi ofuscada pela Copa Árabe, também organizada pela Fifa, que aconteceu de maneira simultânea no Qatar este ano e atraiu muito mais interesse. A final entre Marrocos e Jordânia será disputada nesta quinta-feira, no estádio Lusail, com capacidade para 80 mil pessoas e ingressos esgotados, palco da final da Copa do Mundo de 2022.
Nas ruas de Doha, muita gente mostrava desconhecimento sobre a final entre os campeões da Europa e da América do Sul. Enquanto isso, a Copa Árabe foi muito mais divulgada pela mídia e em ações comerciais da própria Fifa.
Calendário apertado atrapalha
O calendário é outro fator que afastou o público, pela proximidade com a final da Libertadores. A decisão em Lima aconteceu no dia 29 de novembro, e a estreia do Rubro-Negro no Catar foi no dia 10 de novembro. Neste meio tempo, ainda houve as duas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro. O alto custo da viagem do Brasil até a Ásia também tem que ser considerado, em um ano que torcedores do Flamengo já gastaram bastante dinheiro com as idas para o Mundial nos Estados Unidos e a decisão da Libertadores do Peru.
Jogadores do PSG elogiam Flamengo e valorizam título
Apesar da derrota nos pênaltis, a dificuldade imposta pelo Flamengo e o nível de atuação ratificaram o novo patamar atingido pelos clubes do Brasil na visão dos europeus. Após conquistar o título inédito pelo Paris Saint-Germain, o zagueiro brasileiro Marquinhos, capitão do time francês, elogiou a equipe carioca.
“Se respeitou muito esse time do Flamengo. A gente sabia que seria totalmente um jogo diferente. O adversário tem uma filosofia de jogo diferente. Eu disse antes do jogo, eu sabia que seria assim. O Flamengo realmente vem trazendo uma revolução no futebol brasileiro, quanto à filosofia de jogo, quanto a táticas, quanto a entender o adversário, explorar o adversário da melhor maneira, né. A gente sabia que seria um jogo totalmente diferente daquilo que foi no Botafogo (derrota do PSG na primeira fase da Copa do Mundo de Clubes). Essa seria uma final decidida nos detalhes. A gente queria até que fosse mais fácil para a gente, mas não foi. Então eu acho que se respeitou muito. O nosso treinador, ele é muito experiente. Ele viu o Mundial também no meio do ano, ajudou a gente a respeitar ainda mais esses times brasileiros. A gente tem muitos brasileiros, portugueses, que olham bastante o futebol brasileiro. Então todos conhecem o quanto que esse time do Flamengo é qualificado. Jogadores experientes que voltaram da Europa e estão acostumados a jogar contra times da Europa, contra o PSG, contra outros grandes times. Então, com certeza foi um jogo difícil”, analisou Marquinhos.
O lateral esquerdo português Nuno Mendes também destacou o bom desempenho do tetracampeão da Libertadores na decisão da Copa Intercontinental.
“É dar os parabéns ao Flamengo. Foi um adversário muito difícil. Vieram aqui para jogar, para disputar o jogo. Foi um jogo muito bom, acho que para ambas as partes. Infelizmente, eles não conseguiram ganhar, ganhamos nós, como queríamos. Foi um bom jogo da parte do Flamengo, muito contente por ter ganho. E também contente por eles, porque vieram aqui e demonstraram que são uma grande equipe”, disse Nuno.
Desde antes da final, o técnico espanhol Luis Enrique e os atletas do Paris fizeram questão de valorizar a disputa do título mundial. A equipe francesa demonstrou mais importância na luta para ganhar este troféu do que outros clubes europeus em edições anteriores, e o título inédito foi bastante comemorado. O fato do PSG ter sido comprado em 2011 pelo fundo de investimentos do Catar, o QSI, e o torneio ter sido disputado neste país do Oriente Médio também contribuiu para esta valorização.


