Michael Jordan é uma lenda nascida em quadra, símbolo da competitividade no basquete. A partir de agora, seu legado ganha um capítulo decisivo em arena diferente. Não me refiro à breve passagem pelo beisebol com o Birmingham Barons, em 1994, mas à batalha nos tribunais contra a Nascar. Graças a um processo antitruste liderado por sua equipe, a 23XI Racing, Jordan forçou a mudança estrutural mais profunda da história da categoria mais popular do automobilismo americano.
A 23XI e a Front Row Motorsports processaram a Nascar alegando práticas monopolistas. Mas foi a presença magnética da lenda do basquete que transformou uma disputa contratual em um pesadelo de relações públicas para a categoria. Sem a figura de Jordan e sem seus bolsos fundos para financiar um litígio de alto risco contra a família France, donos da categoria, a revolta teria morrido na praia. Embora o processo envolvesse duas equipes, a narrativa pública era clara: Jordan versus “O Sistema”.

Michael Jordan
A arquitetura da disputa
Curtis Polk, sócio e gestor financeiro de Jordan, foi o arquiteto da estratégia. Ele aplicou a mentalidade de “dono de franquia da NBA” à realidade feudal da Nascar. Se Jordan era o rosto que a mídia não podia ignorar, Polk era o operador que a Nascar não conseguia dobrar — chegando a ser alvo de contra-processo pessoal da liga durante a disputa.
Desde o início, a dupla afirmava que queria fortalecer a Nascar, por meio de parceria real, não submissão. Estavam dispostos a tudo, inclusive arriscar a existência da equipe. Mas venceram. Na quinta-feira, 11 de dezembro, um acordo foi selado, deixando marcas permanentes no negócio.
O acordo institui licenças permanentes ( evergreen charters ), replicando o modelo de franquias da NBA, NFL ou MLB. Até então, as equipes operavam com uma licença que expirava junto com o contrato de TV. Isso tornava o investimento um risco existencial: se a Nascar decidisse não renovar a licença, o valor da equipe poderia cair para zero do dia para a noite.
Essa é a mudança estrutural que o mercado financeiro esperava. Os donos pagavam milhões por licenças que garantiam participação nas corridas e uma fatia das receitas (cerca de US$ 12,5 milhões por ano), mas sem garantia de perenidade. Isso afastava investidores, que viam a volatilidade da Nascar como um risco alto demais.
Em setembro de 2024, quando a Nascar apresentou um ultimato para a renovação, 13 das 15 equipes assinaram sob coação, temendo a falência imediata. A 23XI de Jordan e a Front Row recusaram. Foram semanas de tensão, com Jordan presente em um julgamento de oito dias, até que a liga cedeu em um acordo.
No meio disso tudo, as contas da categoria de automobilismo — uma caixa-preta guardada a sete chaves por 77 anos — foram dissecadas em praça pública. A gestão foi exposta como nunca, com comunicações internas revelando ataques a figuras emblemáticas do esporte. Na batalha de imagem, os dirigentes da categoria sofreram uma derrota retumbante.
O mais irônico é que o desgaste poderia ter sido evitado. Ainda em 2024, conselheiros próximos alertaram Jim France, CEO da empresa, sobre a necessidade de criar os evergreen charters . France ignorou, entrincheirado em visão anacrônica. Sua intransigência precipitou um litígio histórico, pois ele não imaginou que alguém teria capital político e financeiro para desafiá-lo. Jordan, uma figura maior que todos eles, tinha condições de bater de frente. E causou uma mudança imensa.
Valor destravado e novas regras
A Nascar agora é um sistema de franquias. O risco de dissolução do ativo foi removido, o que atrai um novo perfil de investidor. As equipes, antes avaliadas entre US$ 20 milhões e US$ 40 milhões, devem ver seu valor de mercado saltar imediatamente para a casa dos US$ 100 milhões, com potencial de dobrar no médio prazo.
Além da propriedade, Jordan e Polk garantiram travas de governança inéditas. A principal delas é a “Regra dos 5 Strikes”: se a Nascar impuser mudanças regulatórias que custem mais de US$ 500 mil por carro sem aprovação dos times, isso conta como um “strike”. Cinco erros desses anulam a cláusula de exclusividade, permitindo que as equipes criem ligas rivais. Outra vitória foi sobre as novas receitas: as equipes agora abocanham 33% dos ganhos de novos negócios de “Propriedade Intelectual” (como o jogo Nascar 25) e terão, pela primeira vez, participação nos direitos internacionais de mídia.
Em troca de ceder o controle, a família France garantiu um upside futuro, elevando a taxa de transferência que a liga cobra sobre a venda de uma equipe de 2% para 10%. Embora pareça punitivo, cria um alinhamento inédito: agora, a Nascar lucra se as equipes de Jordan e seus pares valerem bilhões.
No curto prazo, a Nascar protegeu seu caixa — o repasse anual de TV ficou em US$ 431 milhões, longe dos US$ 720 milhões pleiteados pelas equipes inicialmente, conforme revelaram os documentos financeiros abertos durante o julgamento. Mas a análise fria mostra que Jordan trocou o curto pelo longo prazo. Ele abriu mão de liquidez imediata para garantir a multiplicação do patrimônio.
As 13 equipes que assinaram o acordo original por medo agora colhem os frutos da coragem da 23XI. Em última análise, Michael Jordan não quebrou o monopólio da Nascar, mas o modernizou à força. A liga deixa de ser um feudo familiar onde as equipes são inquilinas para se tornar um ecossistema de franquias onde a propriedade é, finalmente, respeitada.
Mais do que isso, Jim France talvez tenha perdido a última chance de preservar seu poder absoluto. Com a imagem arranhada e a competência questionada, a família France mantém o comando, mas agora governa sob vigilância, com deveres ampliados e o poder diluído entre seus novos “sócios”.
Jordan será para sempre uma lenda da NBA e do basquete, mas depois dessa vitória diante da Nascar, ele certamente será um ídolo e uma lenda do automobilismo americano. Mesmo sem nunca ter pilotado em uma corrida.


