Nem chegou à metade, e a temporada de balanços do primeiro trimestre deste ano das empresas nos Estados Unidos já causou um choque entre os analistas — não pelos lucros ou vendas registrados no período, mas, sim, pelo crescente número de empresas que se recusaram a fazer projeções sobre os seus resultados nos próximos trimestres.
É o que se chama de “guidance”, ou seja, as estimativas para o ano inteiro de métricas, como receitas e indicadores operacionais, que são habitualmente divulgadas juntamente com os resultados do trimestre recém-apurado. Muitas vezes, são as estimativas, mais do que os resultados concretos do período em questão, que influenciam o comportamento dos investidores, correndo para comprar ou, se decepcionados, para desovar as ações de uma empresa.
Ao anunciar o cancelamento do “guidance”, os CEOs e outros executivos de várias empresas estão alegando uma completa falta de visibilidade sobre o que vai acontecer com a economia mundial em razão das incertezas com a política do presidente Donald Trump de impor tarifas de importação sobre os produtos de uma gama enorme de países. As empresas estão tão no escuro agora quanto nos momentos mais críticos da pandemia de covid, quando houve uma quebra na cadeia global de produção.
Entre as empresas que retiraram o “guidance”, estão companhias aéreas americanas, como a American Airlines, Delta, Southwest Airlines e Alaska Air. Essas companhias temem que o ambiente de elevada incerteza possa levar os consumidores a retrair seus gastos, antecipando, entre outras coisas, uma recessão nos EUA. A American Airlines avisou que só vai voltar a fornecer estimativas do ano inteiro quando o cenário ficar mais claro. O problema é o vaivém no anúncio das tarifas e o comportamento errático de Trump.
Desvalorização do dólar é uma das marcas dos primeiros 100 dias de Trump no atual mandato Foto: Manuel Balce Ceneta/AP
A fabricante de equipamentos médicos Belluscura citou a guerra comercial como o principal motivo para não fazer projeções para seus resultados em 2025, uma vez que “uma proporção significativa” da matéria-prima e componentes é comprada de fornecedores chineses.
No Reino Unido, o fabricante de brinquedos Character Group, dono da linha “Peppa Pig”, um sucesso infantil, informou que as tarifas de importação de Trump turvaram “consideravelmente” a capacidade em prever o nível de suas vendas nos EUA.
E mesmo as empresas que mantiveram o “guidance” acabaram revisando para baixo suas projeções de receitas e lucros em 2025, citando o impacto inflacionário não só das tarifas, mas de um dólar que já caiu mais de 8% no ano ante uma cesta de moedas fortes.