Cirurgiões-dentistas e médicos de todas as regiões do país vão desembarcar em Brasília, na próxima semana, para pressionar o Congresso Nacional a aprovar a atualização do piso salarial das duas categorias. A chamada Segunda Caravana pelo Piso Salarial deve mobilizar mais de cem profissionais da saúde, entre os dias 26 e 29, em visitas a gabinetes, articulações com líderes partidários e reuniões com representantes do Executivo. O grupo pretende pedir apoio, entre outras lideranças, ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
Brasil tem mais de 380 mil dentistas, segundo Conselho Federal de Odontologia.Fernando Frazão/Agência Brasil
A intenção do movimento é destravar a votação de dois projetos de lei que tratam do assunto um que aguarda análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), do Senado, e outro que está na Comissão de Trabalho, da Câmara. Os valores iniciais previstos variam de R$ 10,9 mil, caso passe a segunda proposta, a R$ 13,6 mil, se prosperar a primeira.
O relator da proposição na CAE, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), tenta convencer o presidente da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), a pautar o projeto durante a mobilização dos profissionais de saúde, de acordo com sua assessoria. Na Câmara, o relatório do deputado Lucas Ramos (PSB-PE) está pronto desde o último dia 23 para votação. Mas ainda não foi pautado.
O que preveem as propostas em discussão:
De autoria da senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), o PL 1.365/22 promove uma reformulação completa da Lei nº 3.999/1961 norma que, há mais de seis décadas, regula o piso salarial de médicos e cirurgiões-dentistas, mas sem mecanismos de correção monetária nem abrangência clara para servidores públicos. A Lei nº 3.999/61, assinada ainda pelo ex-presidente João Goulart, fixa o salário-base de médicos e dentistas em três vezes o salário mínimo.
A versão apresentada pelo relator, Nelsinho Trad, propõe:
- Novo piso salarial de R$ 13.662,00 para médicos e dentistas, correspondente a nove salários mínimos (valor de referência de 2024), para jornada de 20 horas semanais;
- Piso de R$ 3.036,00 para auxiliares de laboratório e radiologia, mantendo a proporção histórica de dois salários mínimos;
- Correção anual pelo IPCA, principal índice de inflação do país, garantindo reposição do poder de compra;
- Adicional de 50% para horas extras e noturnas, ampliando o percentual hoje previsto pela CLT para trabalho noturno;
- Aplicação obrigatória tanto no setor privado quanto no setor público, inclusive para servidores estatutários;
- Financiamento do impacto orçamentário por meio do Fundo Nacional de Saúde (FNS), para evitar que estados e municípios assumam o custo.
Além disso, o texto revoga integralmente a Lei nº 3.999/61 e institui um novo marco legal, mantendo garantias como:
- 10 minutos de descanso a cada 90 minutos de trabalho;
- Exigência de que cargos de chefia em serviços médicos e odontológicos sejam ocupados por profissionais habilitados.
O impacto orçamentário, segundo o Ministério da Gestão, está estimado em R$ 9,2 bilhões em 2025 para o novo piso e R$ 71 milhões para os adicionais de horas extras e noturnas.
- PL 765/15 Câmara dos Deputados
Apresentado há quase uma década e aprovado em novembro de 2024 na Comissão de Saúde, o PL 765/15 busca atualizar o piso salarial com foco no setor público, deixando clara sua aplicabilidade a servidores estatutários uma lacuna apontada por diversas entidades da saúde.
O salarial inicial previsto pelo projeto para médicos e dentistas, com uma carga semanal de 20 horas, é de R$ 10.991,19. O texto prevê reajuste anual pela variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). De acordo com a proposta, o trabalho noturno terá remuneração superior do diurno com acréscimo de pelo menos 50% sobre a hora diurna.
O projeto, também apoiado pelo Movimento Dentistas do SUS, é considerado complementar à proposta do Senado, pois reforça que o piso deve valer tanto para vínculos celetistas quanto estatutários ponto ainda não pacificado na legislação.
O texto foi aprovado na Comissão de Saúde em 2024 e aguarda votação na Comissão de Trabalho, para depois seguir à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Por que mudar a lei atual?
A base legal que rege os pisos a Lei nº 3.999/1961 não contempla os vínculos estatutários, não prevê mecanismos de reajuste inflacionário e está desatualizada diante das novas demandas do SUS e da realidade econômica do país.
Após o julgamento de uma ação (ADPF 325) pelo Supremo Tribunal Federal, em 2022, o piso ficou congelado com base no salário mínimo daquele ano. Desde então, não há correção automática o que, segundo as entidades representativas, causou grave defasagem e desvalorização profissional.
Uma das organizadoras da caravana, a secretária-geral da Federação Nacional dos Médicos, Rita Virgínia Ribeiro, defende pressa para aprovação da proposta. “Médicos e dentistas são as primeiras profissões da humanidade. Essa atualização do piso salarial na Lei 3.999 visa resgatar a dignidade das duas profissões, que estão sendo exploradas e desrespeitdas no Brasil”, disse ela ao Congresso em Foco. Estimativa da Federação Nacional dos Médicos aponta que o piso das duas categorias deveria ser superior a R$ 19 mil.
Variação
Rita, que também preside o Sindicato dos Médicos da Bahia, observa que a proliferação de faculdades de medicina, somada à ausência de uma legislação atualizada, tem causado queda nas remunerações dos profissionais de saúde.
“O piso varia muito. Temos valores díspares de unidade para unidade. No Piauí, por exemplo, construiu-se uma carreira de estado. Aqui na Bahia os valores estão bem aquém do que deveriam estar. Não temos um piso de referência. É a lei da oferta e procura. Há oferta grande de médicos e os valores vão decaindo”, explicou. “A formação médica é muito rígida, exige muita dedicação e renúncia”, acrescentou.
Fundador do Movimento Dentistas do SUS, o cirurgião-dentista Ermano Batista da Costa, do Ceará, relata que, em muitos lugares, profissionais que atendem pelo SUS recebem cerca de R$ 1,5 mil por 20 horas semanais.
“Varia de região para região. A correção é necessária para que haja equilíbrio salarial no país”, afirmou. “A lei do piso é de 1961. De lá para cá, muita coisa mudou. Hoje existem pontos que não são englobados pela lei. Ela não era aplicada a servidores públicos, porque não havia SUS. Essa lei não me abrange porque sou servidor público, por exemplo”, completou o cirurgião-dentista, um dos organizadores da mobilização da próxima semana em Brasília.
A primeira caravana, realizada em novembro de 2024, coincidiu com a aprovação do projeto na Comissão de Saúde da Câmara. Quase cem pessoas participaram da mobilização, entre representantes de conselhos de classe, sindicatos e associações. Os organizadores sustentam que remunerações dignas são essenciais para fixar profissionais no SUS, garantir qualidade no atendimento e combater o sucateamento das carreiras da saúde.