
Adrian BelewMúsico
‘Um guitarrista que não soa como um guitarrista’, foi como a cantora Laurie Anderson definiu Adrian Belew ao sugeri-lo para Paul Simon, quando o músico folk buscava inovar sua sonoridade no seminal álbum Graceland (1986).
Essa talvez seja a melhor definição do músico americano, de 75 anos, conhecido por seu trabalho inventivo com o King Crimson nos anos 80. Naquela década, o célebre grupo de rock progressivo, fundado por Robert Fripp nos anos 60, transformou seu som melódico e denso rumo à seara mais experimental e conectada com as mudanças tecnológicas.
É justamente essa fase, cristalizada nos discos Discipline (1981), Beat (1982) e Three of a Perfect Pair (1984), que Belew decidiu homenagear com seu novo supergrupo-tributo, intitulado Beat, que tem a bênção de Fripp. Para isso, ele reuniu outros três nomes de peso: Tony Levin, baixista original daquele período e figura importante na carreira de Peter Gabriel; o virtuoso guitarrista Steve Vai e o baterista do Tool, Danny Carey. O quarteto recém-formado fará um show único no Brasil, em 9 de maio, no Espaço Unimed, em São Paulo.
Em entrevista ao Estadão, por telefone, o artista falou sobre a concepção do conjunto e de momentos marcantes da carreira, incluindo a relação com David Bowie, lenda do rock com quem ele trabalhou na turnê documentada em Stage (1978) e nas gravações de Lodger (1979). Adrian ainda comentou acerca da criação da trilha-sonora de Piper: Descobrindo o Mundo (2016), curta-metragem da Pixar que ganhou um Oscar.

O supergrupo Beat; da esquerda para à direita: Tony Levin, Steve Vai, Adrian Belew e Danny Carey Foto: Alison Dyer/Divulgação
Vamos falar sobre a criação do Beat, que tem a bênção de Robert Fripp. Como surgiu a ideia de formar esse supergrupo?
Inicialmente não era a ideia formar um supergrupo. A ideia surgiu em 2019, quando percebi que dois anos depois seria o aniversário da minha entrada no King Crimson e o aniversário daqueles três discos, Discipline, Beat e Three of a Perfect Pair. Pensei que deveríamos tentar celebrar isso de alguma forma. Então, liguei para Robert e perguntei se ele estava interessado. Ele recusou porque disse que já tinha muito o que fazer nos próximos anos. Mas meu produtor e eu começamos a pensar a respeito. Lembro que Steve Vai disse em uma entrevista anos atrás que amava a forma como Robert tocou naqueles três discos. Liguei para o Steve Vai e ele ficou muito empolgado. A próxima coisa que aconteceu, claro, foi a pandemia. Isso atrasou todo o processo por mais de dois anos. Depois, Steve tinha 18 meses de turnê que precisava remarcar. Então, tive que esperar mais 1 ano e meio. Até esse momento, eu já sabia que os os outros dois músicos que fariam essa banda perfeita seriam Tony Levin, que precisava terminar uma turnê com Peter Gabriel, e Danny Carey, quem eu abordei no final de uma turnê do Tool. Tudo demorou 5 anos.
O King Crimson demorou 50 anos para vir ao Brasil. Jamais imaginei que esse projeto viesse para a América do Sul. É uma estratégia para conquistar o continente?
Nossa base de fãs sempre foi muito sólida aí. Os fãs são muito apaixonados. Eles são realmente o público mais empolgante para se tocar. O fato é que quando terminamos a turnê de 65 dias pelos EUA e Canadá, a resposta foi tão enorme que decidimos fazer uma turnê mundial. Olhamos nossos calendários e vimos que todos nós poderíamos estar disponíveis em abril/maio. Pensamos na Ásia, mas optamos pela América do Sul. Provavelmente podemos fazer Ásia e Austrália em setembro/outubro e isso será o máximo que podemos fazer este ano. Espero que no verão de 2026 façamos Europa, festivais e então voltaremos para os EUA. Isso seria uma turnê mundial para nós. Não estamos pensando em fazer músicas novas ou coisa do tipo. Estamos preparando um disco ao vivo e um Blu-ray.
O som da fase anos 80 do King Crimson é muito diferente do que a banda fazia nos anos 60 e 70. Por que houve essa mudança?
De repente a banda tinha dois ingleses e dois americanos pela primeira vez. E isso simplesmente muda a música, porque nós não queríamos soar como o King Crimson dos anos 70, por mais que eu goste muito daquela música. Nós queríamos fazer o que o King Crimson sempre faz: reinventar a roda. Tínhamos muita nova tecnologia à nossa disposição. Robert e eu tínhamos sintetizadores de guitarra, que tinham acabado de ser lançados. Acho que fui a primeira pessoa nos EUA a ter um, porque conseguiu o meu em 1980 quando estava no Japão [em turnê] com o Talking Heads. Bill Bruford estava usando bateria eletrônica, ninguém tinha feito isso. Tony Levin chegou com um Stick [instrumento elétrico que mistura baixo e guitarra], e todos nós dissemos: ‘o que diabos é isso?’. Então, havia quatro personalidades muito fortes, ideias musicais fortes, e nova tecnologia que ninguém tinha ouvido.

David Bowie e Adrian Belew colaboraram no fim dos anos 1970 Foto: Reprodução/David Bowie via Facebook
O que mais te impressionou ao trabalhar com David Bowie?
Sua curiosidade insaciável e criatividade. Ele era uma pessoa que gostava de saber sobre tudo e amava fazer mudanças. Ele não gostava de ficar parado, gostava de avançar. Eu amava isso nele. Eu também o amava como pessoa. Ele tinha um humor autodepreciativo. Ele não levava tudo tão a sério. Era muito divertido. Além disso, é muito raro estar ao redor de um nível de estrelato assim. Ele era uma verdadeira superestrela. Era amigo dos Beatles, de outras superestrelas, conhecia todo mundo. Ele me ajudou a aprender muito sobre como estar naquele mundo.
‘Graceland’ é um dos meus álbuns favoritos de todos os tempos. Há rumores de que Paul Simon é um tanto difícil de se trabalhar. Não sei se isso é verdade. Do que se lembra daquelas gravações?
Laurie Anderson conversou com Paul Simon e disse: ‘se você quer um guitarrista que não pareça um guitarrista, você precisa contratar Adrian Belew’. Paul me chamou e marcamos 4 dias de gravação. Seria apenas ele, eu e o produtor. Fui a primeira pessoa não-africana a tocar naquele disco. Me surpreendi, porque aquela música não parecia nada com Paul Simon. Soava como música africana. Mas quando Paul me explicou e cantou algumas partes, então fez sentido para mim. Em You Can Call Me Al, as partes dos metais, eu fiz aquilo com um sintetizador de guitarra. Quando as pessoas falam sobre Paul ser difícil, é apenas porque ele tem exatamente em mente o que quer que você faça. Ele não está pedindo para você ser criativo. A maioria das pessoas com quem já trabalhei dizem para mim: ‘faça o que você quiser’. Mas Paul não é assim. Ele é muito disciplinado e diz ‘quero que você toque essas notas’. Foi uma experiência incrível.
Com Paul Simon você também trabalhou em ‘The Rhythm of the Saints’. O que lembra da influência da música brasileira naquele álbum?
Paul não me falou muito sobre isso. Só com o tempo eu percebi de onde vinha. Ele tinha mudado da influência africana para a brasileira. Ali estava Paul Simon expandindo seus horizontes. Foi maravilhoso ele ter feito isso. Destacou a música do Brasil.
Você fez a trilha de um curta-metragem vencedor do Oscar, como foi essa experiência?
Durou ao todo 3 anos. A música foi muito importante, pois não havia diálogo. A música realmente tinha que contar a história do pequeno Piper. Eu fui à Pixar várias vezes. Eu sou louco por animações. Conheci Andrew Stanton e Pete Docter [animadores da Pixar; Docter é chefe do estúdio desde 2018]. E eles me contaram que quando estavam fazendo Toy Story, ouviam meus discos solo. Então, eles estavam me mostrando a Pixar e conversando meio que entre si: ‘nossa, não seria ótimo se pudéssemos fazer com que o Adrian fizesse algo?‘. Eu me juntei e disse que seria perfeito. E demorou um pouco para encontrar o projeto certo. E acabou que os animadores de Piper também já estavam ouvindo algumas das minhas coisas. Então, funcionou lindamente. Foi uma das minhas experiências favoritas. Foi a primeira vez que ganharam um Oscar por um curta em 10 anos.
Beat – Tony Levin, Steve Vai, Adrian Belew e Danny Carey tocando a música do King Crimson dos anos 80
- Quando: 9 de maio de 2025
- Onde: Espaço Unimed (R. Tagipuru, 795)
- Ingressos: eventim.com
- Preços: R$ 275 a R$ 700