Nesse sábado (27) a praia de Tambaú, na capital paraibana foi tomada por uma multidão de fiéis que se reuniram para prestigiar o festival Celebra João Pessoa. Entre os nomes da música e do ambiente cristão, estava Frei Gilson a atração mais aguardada e um dos principais responsáveis por reunir cerca de meio milhão de pessoas sob um sol escaldante de verão, por horas a fio.
Até aí, um grande evento religioso e popular. Nada de novo sob o sol. Porém a presença de Frei Gilson na cidade revelou um espetáculo paralelo: o da polarização. De um lado, os que o veneram. Do outro, os que o rejeitam com a mesma intensidade. No meio, quase ninguém. Porque o meio, ao que parece, foi extinto.
O fato é que Frei Gilson conquistou uma legião de seguidores nas redes sociais, especialmente por meio de vídeos transmitidos às 4h da manhã, capazes de levar milhares de pessoas a acordar na madrugada para rezar com ele. Talvez na busca de um caminho mais curto, talvez mais certeiro ou mais ‘eficiente’ para ter suas preces atendidas. A fé, aparentemente, também entrou na lógica do imediatismo.
O problema é que em meio a tantas lives e pregações, o frei acabou fazendo declarações tidas como de viés conservador e apontadas como misóginas, racistas, alinhadas à direita e claro, automaticamente associadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro. E como tudo neste país gira em torno de política, pronto: abriu-se o Mar Vermelho.
De um lado apoiadores da esquerda, do outro da direita. Ambos quase esquecendo da fé para amar ou odiar Frei Gilson exclusivamente por fatores políticos. Não há meio termo. O tribunal da internet não permite que alguém seja de esquerda e ao mesmo tempo se sinta tocado por suas pregações. É proibido. Dá processo moral. Cancelamento sumário. Confisco do crachá ideológico.
Uma das coisas que mais me chamou atenção foi ver pessoas que dizem odiar a polarização, destilarem ódio e rancor nas redes sociais simplesmente porque uma multidão estava na praia em busca de Deus. Também vi questionamentos sobre se havia espaço para Deus no evento, já que, para alguns, quem estava ali não adorava a Deus, mas ao Frei.
Veja: fanatismo sempre existiu. Efeito manada também. Pessoas em busca de respostas, de um norte, de algum sentido para esta jornada nada linear chamada vida sempre se apegaram a símbolos, líderes e figuras que prometem ainda que indiretamente algum alívio para os fardos que carregam.
Frei Gilson é a bola da vez. Fazer o quê?
Eu sou religiosa, cristã, católica e nunca assisti a uma única pregação do Frei Gilson. Não por ódio, não por militância, mas porque ao meu ver há um erro perigoso na ideia de que só quem acorda às quatro da manhã para rezar com o Frei terá suas graças atendidas.
“Ah, estou precisando de tal graça. Vou acordar às 4h da manhã, rezar com o Frei Gilson, postar nas redes sociais e pronto: passaporte carimbado para a graça. Quem sabe até para o céu”.
E quem reza em outro horário? Quem busca Deus nas missas e cultos? Quem faz sua oração solitária e silenciosa, como a própria Bíblia recomenda em Mateus 6:6: “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á”?
Essas pessoas terão menos chance? Estarão fora do plano? A vida eterna é exclusiva para quem acompanha lives de madrugada?
Esse é um questionamento que tenho, mas nem por isso fui nas redes sociais ontem julgar, apontar o dedo ou destilar ódio contra aqueles que estavam na praia para o show. Porque ao meu ver nada disso dá a ninguém o direito de julgar quem esteve na orla de João Pessoa ontem. Muito menos de usar a fé para inflamar ainda mais uma polarização que já ultrapassou todos os limites do razoável.
E é aí que está o ponto que me inquietou a escrever esse texto.
Vamos aprender a não impor ao outro aquilo que achamos certo.
Se você não gosta, não vá. Se reprova, não consuma. Se discorda, não assista. Mas não transforme a fé do outro em trincheira ou munição para o ódio.
Porque no fim das contas, o maior milagre que precisamos é reaprender a conviver com as divergências.
Thatiane Sonally
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha programática e ideológica do portal PB Agora.


