Mauro Beting | O futebol não tem lógica. E o Corinthians tem ainda menos
Time de Dorival conquista tetracampeonato da Copa do Brasil. Crédito: Mauro Beting/Estadão
Não há como comparar uma conquista com a outra, ainda mais para um coração corintiano. E, no caso específico, de um não-corintiano elencando tantas conquistas do campeão dos campeões paulistas, a margem de erro é ainda maior. Do bicampeão mundial. Do heptacampeão brasileiro. Do campeão invicto da Libertadores de 2012.
Sem lugar de fala, vou escrever aquelas finais que considero das mais emocionantes vitórias corintianas desde primeiro de setembro de 1910. De fato, esta, sob a luz dos lampiões do Bom Retiro, a maior conquista alvinegra: apenas existir. Algo independente dos títulos. Como foi assim durante 22 anos sem títulos que fizeram com que o Corinthians ficasse ainda maior em número de fiéis.
Exatamente por isso, a primeira das conquistas mais emocionantes desde 1910 é aquela que não é mais “importante” ou “difícil” que nenhum título brasileiro, que nenhuma das agora quatro Copas do Brasil, do que a conquista da Libertadores, e as duas conquistas mundiais.
Corinthians conquistou o tetra da Copa do Brasil no último domingo. Foto: Pedro Kirilos/Estadão
Mas não tem como comparar a emoção de 13 de outubro de 1977, já dando spoiler. E justificando também pelos filmes que a produtora Canal Azul fez da história corintiana.
A maior produtora do Brasil de cinema já fez nove filmes oficiais da história do Corinthians. E o primeiro foi justamente “Vinte e três anos em sete segundos”, quando os 22 anos de fila acabaram com um gol de Basílio.
O spoiler é desnecessário, porque quem viveu aquilo, e quem sobreviveu ao jejum, sabe o tamanho do pé angelical de Basílio.
Jogando em Ribeirão Preto, no estádio Santa Cruz, o Corinthians conquistou o seu 20.º estadual ao bater o Palmeiras por 2 a 1. Foto: Djalma Vassao/Estadão
10) Corinthians 2×1 Palmeiras (prorrogação) – Campeonato Paulista de 1995
Podia ser a final do Campeonato Brasileiro de 1998, em três jogos emocionantes contra o Cruzeiro. Podia ser também a conquista estadual de 2018, na polêmica final contra o Palmeiras, no Allianz Parque. Também podia ser o gol de Viola em Campinas, contra o então favorito Guarani, no Paulista de 1988. O bicampeonato brasileiro de 1999 pouco antes do Mundial de 2000, contra o Atlético Mineiro. Ou mesmo a final que não acabou depois das embaixadas de Edilson, contra o Palmeiras recém-campeão da Libertadores, no auge da rivalidade, no Paulista de 1999.
Também por tudo isso, e pela grande rivalidade desde 1917, a décima final mais emocionante (para mim) foi disputada no Santa Cruz, em Ribeirão Preto. Onde o Corinthians, em 2001, encaminharia o título paulista contra o Botafogo na Ribeirão Preto, de onde saiu um dos maiores craques e ídolos corintianos, Sócrates. Doutor que, por privilégio meu, estava ao meu lado comentando a final nos dois jogos decisivos do Paulista de 1995, pelo SporTV.
No Dérbi fundamental para o Corinthians evitar um tricampeonato do Palmeiras, que também havia sido bicampeão nacional em 1994, contra o próprio Corinthians. Elivelton fez o golaço da vitória de virada em 1995. O Palmeiras vinha em um ano e meio de três finais vencidas contra o Timão.
No último jogo do Brasileirão 2011, o Palmeiras tentava azedar o título corintiano, mas não deu; o resultado foi um empate em 0 a 0, com dois expulsos de cada lado e confusão generalizada no fim. Foto: Alex Silva/Estadão
9) Corinthians 0x0 Palmeiras – Campeonato Brasileiro de 2011
Não foi mata-mata por ser o Brasileirão por pontos corridos, mas o jogo decisivo foi contra o naipe rival. E tinha de ser no Pacaembu. Um dia muito emocionante. Como já havia previsto (ou “desejado”) o doutor Sócrates, ele queria morrer em um dia em que o Corinthians fosse campeão.
Palavra do doutor é receita de sucesso. “Doutor, eu não me engano, doutor Sócrates é corintiano”. Mesmo. Porque na hora em que ele estava sendo enterrado em Ribeirão Preto, começava a grande decisão do Brasileiro de 2011, com empate do Corinthians que garantiu o título, com o Vasco vice. Todo o time corintiano, antes de a bola rolar, ergueu os punhos em homenagem à célebre celebração de Sócrates durante a ditadura brasileira, no movimento da Democracia Corinthiana.
Mário Travaglini era o técnico do time da Democracia Corinthiana que conquistou o Paulistão em 1982 e em 1983; ele também havia comandado a primeira Academia do Palmeiras. Foto: João Pires/Estadão
8) Corinthians 3×1 São Paulo – Campeonato Paulista de 1982
Não é só tocante pela qualidade de um dos melhores times da história do Corinthians, que seria bicampeão estadual no ano seguinte contra o mesmo São Paulo. Mas o que representa além dos muros do Parque São Jorge, e muito além do esporte, era a camisa da Democracia Corinthiana.
Movimento que pedia voto no dia 15 de novembro; e, sem partidarismo, mas só a opinião cidadã de um movimento que extrapolou os muros do clube. Não houve nada igual antes e nem depois. Das páginas mais gloriosas, esportivas e sobretudo humanas do Corinthians, capitaneado por Sócrates, Wladimir, Casagrande, e grande elenco, que segurava a bandeira da democracia, e conquistava adeptos também pela qualidade do futebol apresentado na grande final.
Um show de Casagrande e Biro-Biro e da torcida corintiana em festa. E até dos rivais que, se não torceram pelo Corinthians, torceram pelos ideais democráticos que voltavam ao país, que elegeria um civil, ainda que indiretamente, três anos depois.
A conquista do Campeonato Paulista de 1954 foi uma das maiores da história do Corinthians. Foto: Acervo Estadão
7) Corinthians 1×1 Palmeiras – Campeonato Paulista de 1954
Campeão do quarto centenário paulistano, coroando uma equipe que havia sido campeã do Rio-São Paulo e, em quatro anos, ganhava o seu terceiro título paulista. Um dos melhores Corinthians de todos os tempos, com o craque Luizinho, “Pequeno Polegar”, o artilheiro histórico do clube, Cláudio, ex-Palmeiras, e com o craque bandeira da meta, Gilmar dos Santos Neves.
Ainda com grandes jogadores como Roberto Belangero no meio-campo e o rei da raça da lateral, Idário. Um dos mais corintianos Corinthians de todos os tempos. Numa final histórica e que também ficaria para a antologia, porque seria a última conquista até o título de 1977,
Corinthians bateu o Grêmio em 1995 para vencer sua primeira Copa do Brasil. Foto: Paulo Pinto/Estadão
6) Grêmio 0x1 Corinthians – Copa do Brasil de 1995
Em Porto Alegre. O maior mérito da conquista da sua primeira Copa do Brasil foi vencer uma equipe copeira como o Grêmio de Felipão, então campeão do torneio, e, um mês depois, bicampeão da Libertadores.
E com um Corinthians que tinha acabado de ganhar o Paulistão do Palmeiras, e faria história também na Copa do Brasil, vencendo o primeiro jogo no Pacaembu, com show de Marcelinho Carioca, e, depois, a duríssima batalha no Olímpico.
Mais um gol do ídolo Marcelinho Carioca. Superando mais uma daquelas tantas crises que levaram à saída prematura de Mário Sérgio, no começo da temporada, e a interinidade que acabou efetivada de Eduardo Amorim, ex-jogador muito importante tática e tecnicamente no Corinthians da Democracia.
Corinthians superou o São Paulo para conquistar o Brasil pela primeira vez. Foto: Fábio Mathey/Estadão
5) São Paulo 0x1 Corinthians – Campeonato Brasileiro de 1990
O Timão começou mal o Brasileirão e demitiu o técnico Zé Maria. Nelsinho Baptista, que havia acabado de ser vice-campeão estadual pelo Novorizontino, assumiu uma equipe ainda em construção, com sérias limitações financeiras e técnicas, e que acabou a fase inicial do Campeonato Brasileiro apenas na oitava posição. Para então conseguir uma arrancada heroica e emocionante comandada pela perna esquerda de Neto, de um time bastante esforçado. Venceu o Atlético Mineiro, que era o melhor time do campeonato. Depois superou o Bahia, até vencer duas vezes o então vice-campeão brasileiro São Paulo de Telê. Duas vitórias por 1 a 0.
A primeira e única vez que o Corinthians conquistou a América foi em 2012 de forma invicta. Foto: Daniel Augusto Jr/Agência Corinthians
4) Corinthians 2×0 Boca Juniors – Libertadores de 2012
Uma das mais longas noites do Pacaembu. A mais longa espera do Corinthians que “nunca serão” segundo os rivais. E foram como desde 1978, a Libertadores da América não via um time campeão invicto.
Desde o Boca Juniors, que jogou apenas seis vezes, contra o Corinthians, que atuou 14 vezes. Cássio assumiu a meta quase inexpugnável, como foi nas quartas contra o Vasco, no Pacaembu, na célebre defesa diante de Diego Souza e do gol de cabeça de Paulinho. Cabeçada de coração que abriu as portas para o Corinthians depois eliminar o então campeão Santos, de Neymar, com um golaço de Emerson Sheik na Vila, e um empate no Pacaembu.
Na Bombonera, no primeiro jogo decisivo, Romarinho fez história. E, na partida final, Sheik faria ainda mais com dois gols, num show de Danilo, da torcida corintiana e do time do técnico Tite, que por essa conquista chegaria ao bicampeonato mundial no final do ano contra o Chelsea.
Rincón recebeu o troféu do então presidente da Fifa, Joseph Blatter; o Corinthians vencia o mundo pela primeira vez. Foto: Otávio Magalhães/AE
3) Corinthians 0 (4) x (3) 0 Vasco – Mundial de Clubes de 2000
Como campeão, aliás, bicampeão brasileiro de 1998 e 1999, o Corinthians assegurou um lugar no Mundial da Fifa, organizado pela Traffic, empresa de marketing esportivo que havia trazido a HMTF para o Corinthians, em 1999, e facilitou a chegada do Corinthians ao Mundial. Mas não a campanha, que não foi fácil.
O Corinthians suou para passar na primeira fase. Na grande decisão no Maracanã, jogou para empate e, até porque estava esgarçado pela temporada insana e intensa de 1999, campeão paulista e também brasileiro. Dida fez história como o último pênalti desperdiçado por Edmundo. Corinthians campeão do primeiro Mundial organizado pela Fifa.
Paolo Guerrero, de cabeça, colocou o Corinthians no topo do mundo pela segunda vez. Foto: Jf Diorio/Estadão
2) Corinthians 1 x 0 Chelsea – Mundial de Clubes de 2012
O último sul-americano campeão do mundo merecidamente venceu a final contra um Chelsea desorganizado de Rafa Benítez, uma equipe que, com um interino, havia vencido os favoritos Barcelona e Bayern na final de Munique.
Não era melhor que o Corinthians, e não foi. Até criou mais oportunidades, canceladas por mais uma atuação magistral do goleiro Cássio, e pela eficiência do Corinthians e dos seus guerreiros que fizeram o gol da vitória e do título com Guerrero. Autor de todos os gols alvinegros na conquista do bi mundial de 2012. A equipe do técnico Tite, o mor da história corintiana, abrindo a faixa de Favela is Here, como foi mesmo do Corinthians.
Daquele que “nunca será” na Libertadores. E foram naquele 2012.
Página do Estadão sobre o fim do jejum de título do Corinthians, campeão paulista em 1977. Foto: Acervo Estadão
1) Corinthians 1 x 0 Ponte Preta – Campeonato Paulista de 1977
Para os clubes gigantes que ficaram na fila, sair dela não tem emoção maior. Claro que tem outras grandes conquistas, como o Corinthians tem. Muitas delas são maiores, ainda mais para quem não vivenciou a época.
Em 1977, os estaduais eram tão importantes quanto os títulos nacionais e internacionais, e para alguns, não pouco. E para um torcedor que passou 22 anos sem gritar é campeão pelo Corinthians (embora o Brasil tenha sido tricampeão mundial no período), não há nada mais emocionante do que 13 de outubro de 1977.
Quando Basílio, o Pé do Anjo, fez um dos gols mais corintianos da história. Por toda a emoção que foi desde a cobrança de falta de Zé Maria, o chute na trave de Vaguinho, a cabeçada de Wladimir que Oscar salvou sobre a linha, até o tiro de bate-pronto de Basílio. Aquele que o técnico Oswaldo Brandão (que havia sido campeão paulista em 1954), havia profetizado horas antes: “Basílio, você vai fazer o gol do título”. Como fez o que reabriu as conquistas ao campeão dos campeões paulistas. Para a história do corintiano, e é ele que sabe dela, nada impacta mais do que 13 de outubro de 1977.
