Há uma tensão difícil de resolver quando penso nas mortes no Rio de Janeiro. Não sou exatamente contra, mas também não consigo ser a favor. Parte de mim se indigna diante do extermínio, enxergando um genocídio; outra parte, porém, enxerga uma justiça trágica — o resultado de escolhas dentro de um ciclo que privilegia o caminho mais fácil, onde o crime oferece ascensão imediata e o estudo ou o esforço são vistos como fardos.
Como em toda categoria, a ação de alguns acaba responsabilizando todos. Há policiais corruptos, servidores corruptos, mas nem todos são assim. A polícia existe para repreender crimes, para manter a ordem — mas o que um traficante tem a ensinar, afinal? Ele se movimenta dentro de um sistema que oferece poucas alternativas, e mesmo diante das poucas alternativas, escolhe o crime – resultado imediato. Desde que viemos ao mundo, o dinheiro sempre falou mais alto, e o tráfico reproduz essa lógica: com dinheiro ele negocia em pé de igualdade. Mas isso é custeado com vício, violência e guerra.
Mas, se no Brasil existisse pena de morte, será que os bandidos de colarinho branco também seriam sentenciados, ou apenas continuariam com tornozeleiras, cumprindo penas domiciliares em suas mansões?
É revoltante perceber essa dicotomia: criminosos na sua maioria negros sendo mortos nas favelas enquanto bandidos do colarinho branco também comentem crimes de grandes proporções, mas seguem praticamente impunes.
É como observar um incêndio numa floresta: há culpa no fogo, mas também na seca que o antecede.
Nietzsche nos lembra que é preciso ir “além do bem e do mal”, reconhecendo que nem toda ação humana cabe em categorias morais fixas. Talvez seja isso — tentar compreender, por trás da violência, a complexa teia de causas que a sustenta. Não se trata de condenar cegamente, nem de justificar. Trata-se de enxergar que a tragédia do Rio é também o reflexo de uma sociedade que, ao negar oportunidades, cria seus próprios algozes.
E, no fim, quem perde mesmo são as famílias. As dos policiais, que estavam lá cumprindo ordens, fazendo seu trabalho; e as dos criminosos, que, mesmo sabendo que seus filhos ou irmãos estavam no caminho errado, ainda os amavam e esperavam por uma chance de recomeço. Porque, no fim das contas, a guerra que o Estado e o crime travam entre si sempre deixa o mesmo rastro: o choro de quem ficou.

 
									 
					
