Em clima de tensão política, a Câmara dos Deputados aprovou na noite dessa quarta-feira (16) um projeto que autoriza o uso de até R$ 30 bilhões do Fundo Social do pré-sal para refinanciamento de dívidas do agronegócio com juros subsidiados. A proposta foi aprovada por ampla maioria (346 votos a 93) e é vista nos bastidores como uma retaliação do Congresso ao Palácio do Planalto e ao Supremo Tribunal Federal (STF). O texto segue agora para o Senado.
A votação ocorreu horas depois de duas decisões que irritaram o Congresso: o veto do presidente Lula (PT) ao projeto que aumentaria o número de deputados federais e a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de restabelecer o aumento do IOF, invalidando uma resolução anterior do Legislativo.
Nos corredores da Câmara, deputados — inclusive da base — classificaram a votação como uma resposta direta às derrotas sofridas nas últimas 24 horas. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou a deixar o plenário para articular com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e, em seguida, deu sinal verde para avançar com a pauta considerada sensível ao governo.
Inicialmente, o projeto previa refinanciamento de dívidas apenas para pequenos produtores rurais, mas foi ampliado pelo relator, deputado Afonso Hamm (PP-RS), para beneficiar todo o setor do agronegócio, utilizando recursos originalmente destinados a áreas como educação, saúde e habitação.
Clima de confronto
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), fez um duro discurso contra a aprovação da matéria, criticando o que classificou como quebra de acordos e responsabilizando a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) pela radicalização. “Não valem mais nada os acordos aqui dentro, a palavra dada. Onde vamos chegar?”, questionou.
Guimarães revelou ainda que tentou convencer Lula a não vetar o aumento de cadeiras na Câmara, mas foi vencido dentro do governo. Ele classificou a aprovação do projeto como “um liberou geral” e acusou os parlamentares de incoerência: “Querem cortar gastos do governo, mas aprovam aumento de despesas bilionárias”.
Apesar da tensão, após o resultado, Guimarães amenizou o tom e afirmou que sua oposição ao texto se devia à “má conduta do relator”, e não ao mérito do refinanciamento em si.
Pauta-bomba em fim de semestre
O projeto aprovado foi um dos 44 itens na pauta da última sessão antes do recesso parlamentar, e pegou parte da base do governo de surpresa. O texto autoriza o uso de recursos do Fundo Social do pré-sal, que deveria financiar políticas públicas estruturantes, para renegociar dívidas agrícolas com taxas de juros subsidiadas.
A votação teve apoio majoritário do centrão e da oposição, e contou com a celebração de produtores rurais do Rio Grande do Sul, presentes na galeria do plenário.
Além da pauta do agronegócio, a Câmara retirou da ordem do dia o projeto que criaria vagas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), após a decisão de Moraes sobre o IOF, e aprovou mudanças no Fundo Garantia-Safra, que também segue ao Senado.
A movimentação acendeu o alerta no governo Lula, que vê no gesto uma escalada de insatisfação do Legislativo diante de medidas do Executivo e do Judiciário que contrariam os interesses parlamentares — um sinal claro de que o segundo semestre exigirá habilidade redobrada na articulação política.
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