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De acordo com o levantamento do Banco Central, o valor médio gasto por beneficiários do Bolsa Família, em agosto, foi de R$ 100.Foto: Pedro Affonso/Folhapress
Duas entidades ligadas à defesa de direitos de populações vulneráveis acionaram a Justiça Federal de São Paulo para que empresas de apostas online sejam obrigadas a bloquear o acesso de beneficiários do Bolsa Família às suas plataformas. A ação civil pública, com pedido de tutela de urgência, é movida pela Educafro Brasil e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan, que também pedem à União medidas concretas para evitar o desvio de verbas públicas para o setor de jogos.
Segundo estudo do Banco Central citado na ação, cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família transferiram R$ 3 bilhões via Pix para casas de apostas apenas em agosto de 2024.
Fome e pobreza
A petição, protocolada na última quarta-feira (22), tem como alvos a União, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) e dez empresas de apostas: Bet365, Betano, Betfair, Sportingbet, EstrelaBet, KTO, Superbet, VBET, Novibet e Betnacional. Elas são acusadas de não adotar nenhuma medida para impedir o acesso de famílias cadastradas no CadÚnico e, com isso, se beneficiarem de recursos destinados ao combate à fome e à pobreza.
As duas entidades pedem na Justiça a condenação das empresas e do IBJR ao pagamento de R$ 500 milhões por danos morais coletivos, valor que deverá ser destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) ou a projetos e políticas públicas voltados à prevenção ao vício em jogos, à proteção de famílias em situação de vulnerabilidade e à promoção da segurança alimentar. Solicitam, ainda, a devolução integral, ao Ministério do Desenvolvimento Social, dos valores obtidos pelas empresas desde dezembro de 2024 por meio de transações realizadas com CPFs inscritos no CadÚnico.
Impacto econômico
De acordo com o levantamento do Banco Central, o valor médio gasto por beneficiários do Bolsa Família, em agosto, foi de R$ 100, ou seja, 15% do benefício médio de R$ 682 por família. Ainda de acordo com a pesquisa, 70% dos apostadores eram os próprios responsáveis legais pelas famílias cadastradas.
O fenômeno, segundo as entidades, não é pontual. Um levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC) apontou que o comércio varejista perdeu R$ 103 bilhões em faturamento ao longo de 2024 por causa do redirecionamento de recursos para as apostas online. O mesmo estudo estima que esse desvio tenha contribuído para a perda de 420 mil postos de trabalho e R$ 18,5 bilhões em arrecadação tributária.
Impacto social e educacional
A ação cita pesquisas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) e da Associação Brasileira de Psiquiatria para demonstrar o agravamento da vulnerabilidade social de famílias pobres e os impactos diretos sobre crianças e adolescentes. Dentre os efeitos observados estão aumento da evasão escolar, redução de gastos com alimentação e saúde, comprometimento da renda familiar, surgimento de comportamentos compulsivos e agravamento de quadros de ansiedade e depressão.
Um dos dados mais preocupantes apresentados é que 68% dos beneficiários do Bolsa Família que fazem apostas online apresentam sintomas de ludopatia transtorno de jogo patológico e que 78% deles foram influenciados por publicidade das casas de apostas.
Omissão do poder público
Apesar de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e de alertas do Tribunal de Contas da União (TCU), a União ainda não adotou medidas efetivas para coibir o acesso de famílias do CadÚnico às plataformas de apostas, segundo os autores da ação. Eles defendem que é possível tecnicamente bloquear os CPFs desses usuários com cruzamento de dados, sem ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), bastando que os operadores de jogos implementem filtros de exclusão automatizada.
O que pede a ação
A petição solicita à Justiça:
- a implementação, pelas empresas rés, de um sistema de exclusão por CPF para impedir o cadastramento e a permanência de beneficiários do CadÚnico;
- a citação da União para que adote medidas contra as empresas e o instituto que as representa;
- a condenação das empresas e do IBJR ao pagamento de R$ 500 milhões a título de danos morais coletivos, com destinação ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) ou a projetos e políticas públicas voltados à prevenção da ludopatia (vício em jogos), à proteção de famílias em situação de vulnerabilidade e à promoção da segurança alimentar;
- a restituição em favor do Ministério do Desenvolvimento Social, para destinação exclusiva aos integrantes do CadÚnico, da integralidade dos valores recebidos por meio de transações realizadas por CPFs inscritos no cadastro;
- o bloqueio imediato do acesso às plataformas por parte de beneficiários do Bolsa Família e de outros programas sociais, enquanto a ação não for julgada definitivamente.
Ações no STF
A petição menciona decisões do STF em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 7721 e 7723), nas quais o ministro Luiz Fux determinou que o governo impedisse o uso de recursos de programas sociais em apostas. Segundo os autores, mesmo com essa determinação e com os alertas do TCU, o problema se agravou, exigindo resposta urgente do Judiciário.
O estudo do Banco Central que detectou o uso do Bolsa Família em apostas foi realizado a partir de solicitação do senador Omar José Abdel Aziz (PSD-AM), para que fosse realizada análise técnica sobre o mercado de jogos de azar e bets no Brasil. O objetivo era mensurar o tamanho desse mercado no país.
A revelação gerou reação do ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, responsável pela execução do Bolsa Família. Ele chegou a afirmar que bloquearia o uso dos recursos do programa para a realização de apostas. O governo, no entanto, não encontrou até hoje instrumentos para interferir na utilização do dinheiro. A ação das duas entidades na Justiça tenta contornar essa dificuldade.
Dilema
“O cartão do Bolsa Família tem liberdade de uso para acessar necessidades da família, alimentação e outras. Certamente, jogos não são uma necessidade. Para não criar inclusive um preconceito contra cartão do Bolsa Família, a medida geral que vale para todos os cartões vale também para o cartão do Bolsa Família”, explicou Wellington Dias, na época, acrescentando que as bets regularizadas estavam ajudando o governo no bloqueio.
O ministro demonstrou preocupação em estigmatizar os beneficiários do programa por causa de apostas feitas por um grupo. “Quando a gente olha toda a população brasileira, são 52 milhões de pessoas que jogam. Quando a gente olha o público do Bolsa Família, são 3 milhões. Quando a gente faz a proporção, são 52% de toda a população e 17,5% dos beneficiários do Bolsa Família que jogam. Quem usou o cartão [do programa] foi apenas 1,4%. Toda minha preocupação é em não demonizar o público do Bolsa Família e dos demais programas sociais”, disse o ministro na mesma entrevista em outubro.
Desvio de finalidade
Um dos autores da ação, o advogado Márlon Reis diz que o objetivo da iniciativa é fazer com que os recursos destinados a pessoas em situação de vulnerabilidade sejam utilizados para os seus devidos fins.
“Nosso principal foco é a devolução ao Ministério do Desenvolvimento Social de todo o dinheiro que foi parar ilegalmente no caixa das bets. De nenhum modo pode ser admitida a apropriação de valores destinados a eliminar a insegurança alimentar e a incentivar a frequência escolar e os cuidados com a saúde de crianças e adolescentes”, afirmou o advogado ao Congresso em Foco.
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